Vagarosamente, anos passaram, passaram,
Polvilhando areia de ampulheta em meus ombros.
Vento leva areia como levasse pedaços de mim
Por aí afora, pela jornada, pelo caminho,
Pelas cidades onde enterrei a vasta cabeleira.
Parcos vestígios ainda restarão, dispersos,
Debaixo de alguma marquise onde parei um dia
Para fugir da chuva – ou naquela praça fugidia
Que a memória ora alcança, ora deixa escapulir.
Provavelmente, uma palavra talvez resista
Na penumbra, fechada qual página de livro,
Que o olho desatento não poderá decifrar.
Hoje, faço de conta que registro outro tempo
A passar como um filme em fatigadas retinas.
Vagarosamente, anos foram acumulando,
Com paciência, camadas espessas de sentimentos
Aos quais me agarro para não submergir.
À noite me abraçam, confortam, a sussurrar:
Valeu a pena. Então aquiesço e sigo adiante,
Quero espalhar ao mundo milagres derradeiros.
Eita vida longa, quanto deslumbramento!
Vento que nos trouxe, um dia nos levará.