Mate-me, querida. E me enterre entre as catedrais
Em agosto, quando a chuva e o vento empinam seus
Papagaios à luz da tarde. Mate-me lentamente.
Os anjos virão cantar, ou sorrirão, suas harpas não
Mentem. Deixe que eu veja o céu enquanto morro.
O céu é lindo, nos dias de sol e chuva, as nuvens
Dizem coisas que não entendo, coisas belas, sendo
Passageiras como a vida que levo até o último suspiro.
A minha sombra escreverá sob a árvore que caiu na
Última prece, lenta, ao ritmo do relógio, indo e vindo
Pelas ruas da cidade cinza. Mate-me, querida, antes
Que anoiteça, a facadas, como um gesto de amor e de
Solidão. Pelo que fomos, pelo que perdemos, pelo que
Deixamos de ser. E me enterre entre os arbustos. Ou,
Se preferir, jogue-me do penhasco, como nos livros.
Eu serei o seu segredo, a luz que brilha no frio da ave
pousada na fenda da terrível montanha, em pleno gelo,
Enquanto nossos filhos brincam no shopping center.
Jogue-me no poço de petróleo, acenda o fogo e me veja
a queimar, quase um cigarro, semente, andarilho, um
Cigano, tropel de corvos a levar minha alma, a minha
Última alma, a que não manchei com palavras.