O relato de Osíris – parte I

Publicado por Verlim de Oliveira Campos 15 de dezembro de 2016

O relato de osiris

Nalgumas oportunidades meu sobrinho Vandinho me pediu informações sobre o Osíris e o Coureiro, dois andarilhos que viviam nas imediações da Lajinha, no município de Abaeté, nos idos de 1952. De tudo que sei já disse, mas penso que posso incluir estas histórias que estão nas fantasias da memória dos fatos, sem garantia de compromisso com realidades indiscutíveis.

Tudo que sei me foi contado pelo próprio. Testemunhou o fato a Maria, irmã da Maria das Dores do Camocica. A Maria do Camocica era mais bonita do que as outras irmãs e além disso gostava de se exibir. Ela costumava ir tomar banho no poço que ficava próximo ao caminho que atravessava o Córrego Bandeira indo para a fazenda do Zé Vieira. E pedia que eu ficasse próximo para impedir que alguém se aproximasse. Verdade é que eu esperava ver sua nudez, ou parte dela. Quando via era sempre menos do que havia na intenção. A Maria era uma jovem com corpo formado e, provavelmente, bastante maldade para entender a esperança que alimentava. Queria de fato um pouco de segurança sem correr realmente risco. Com apenas 12 anos e muito sonho “pintando no pedaço” esta oportunidade eu não desperdiçava.

Este caminho, pra outra propriedade, onde eu ficava, distava uns 10 metros do poço água abaixo. Começava a escurecer e percebi que ela estava conversando com alguém. Aproximei e vi um homem jovem um pouco acima do poço. Ela estava seminua, enrolada numa toalha feita de um saco de farinha de trigo comprado de uma padaria em Abaeté. O indivíduo era o andarilho Osíris e também estava seminu. Explicava que não tinha pinto e, portanto, não representava risco. A Maria ouvia a história sem questioná-lo, mas prestava atenção.

Fiquei ouvindo a história e tentando ver mais do que devia do corpo dela. Neste momento ela enrolou-se na toalha e procurou aproximar-se do Osíris. Segundo ela me disse, dias depois, também ela se aproximou dele para comprovar a veracidade de sua afirmação. Para tanto ele contou a história de seu aparecimento no mundo. Disse que Seth, seu irmão, com ciúmes, prendeu-o num caixão e o jogou no rio. Sua mulher, Isis, recuperou-o, mas não tinha mais o sexo porque um peixe o havia comido. E disse mais, que ele foi a primeira múmia do Egito. O seu aparecimento na Terra só foi possível mediante acordos temporários com os deuses das suas religiões e, com o compromisso de que não voltasse a seu lugar de origem. Falou em sua estada na Terra há milhares de anos.

A história era tão fantástica quanto incrível, mas para a moça era excitante a ponto de pedir que eu lhe acariciasse os seios. Ao tocá-la ela se esquivou, o encantamento atingiu também a mim. Entre o medo das críticas e o espanto dos acontecimentos tive que avisar ao tio João que a Maria estava usando o poço. Ela terminou apressada, se vestiu e foi pra casa. Fiquei pra falar com o tio João sobre o Osíris, mas ele despareceu. Com certeza refugiou-se no capão de mato. Dois dias depois os tios deram-lhe roupas e ele foi para outros lugares. Minha mente preservou a imagem momentânea e o relato como pedaços de uma história. Tentei falar novamente com o Osíris, mas ele apenas resmungava e o que saia de sua boca era incompreensível. Enquanto resmungava se afastava com razoável rapidez.

História idêntica ele contou às irmãs do Zé Vieira quando elas conseguiram até fazê-lo alimentar-se com um pouco de sua comida. Elas diziam que ele demonstrava habilidade em dominar animais, principalmente um jumento que era usado para reprodutor de burros. Usava um vocabulário limitado, o que fazia aumentar as fantasias que ele tentava comunicar. Insistia na ideia de ser um deus e mencionava o nome de Hórus, que dizia ser seu filho, concebido por Isis. Hórus encarnava o Faraó e governava em nome de Osíris que não podia usar qualquer corpo humano. Dizem que esta mesma confidência foi feita a uma professora rural com a qual ele teria abordado o assunto com maior profundidade. A grande dificuldade era pelo fato de raramente ele apresentar-se devidamente vestido, o que causava apreensão e medo por parte das mulheres.

No dia 14 de agosto de 1952 tive com o Osíris o encontro mais satisfatório quando caminhava em direção à estação ferroviária do Porto-Pompéu. Em razão de um desentendimento com meu irmão mais velho, Alcides, dono da fazenda, que naquele momento me pareceu incontornável, parti do Bandeira para Pompéu. Esperava que algum dos familiares me oferecesse apoio e isto não ocorreu até as 22 horas, quando deixei a propriedade. Antes de chegar à ponte do esgoto, sobre o rio Marmelada, percebi que não estava sozinho na estrada. Supondo ser a temível onça parda apressei o passo. Depois de alguns rosnados ela distanciou-se e pude perceber uma outra aproximação, humana. Era o Osíris.

Alcancei-o ou fui alcançado por ele. Estava escuro e não sei ao certo se estava atrás ou na frente. Desta vez a comunicação estabeleceu-se com maior facilidade e fluidez. As palavras que anunciavam a aproximação eram Osíris e fome. As revelações me propuseram mais reflexões sem acrescentar novidades. Enrolado da cintura para baixo, em molambos de uma blusa ou paletó cinza claro, mas sem preocupação em esconder qualquer parte do corpo, ele queria que lhe desse alguma coisa para comer. Eu não tinha. Ao chegar à ponte descemos até a água para beber. Fez um gesto de despedida e seguiu beirando o rio, no sentido contrário ao da água. Subi o barranco e continuei minha caminhada pela noite escura.

Entre outras falas ele me assegurou que minha caminhada era para ser lembrada por toda a vida e que minha próxima companhia seria lendária. Sem poder precisar a distância percorrida, porém crendo que havia andado mais ou menos 500 metros pude certificar-me que estava em companhia do compadre Coureiro. Este sim falava com clareza e disse que estava cumprindo determinação de Cristo. E disse que iria andar até o dia do Juízo porque não podia contar com o benefício da morte para livrá-lo desta maldição que adquiriu em Jerusalém quando Jesus parou em frente ao seu curtume. Ele mesmo admitiu que não sabia ao certo, mas a atribuía ao fato de ter negado água a Jesus. Falou de um judeu que tentou dar água a Jesus e foi reprendido pela milícia que o escoltava.

Entre outras informações confirmou algumas que já me tinham sido adiantadas pelo companheiro anterior daquela caminhada. Disse que o Osíris já estava mudando de lugar no mundo havia 4000 anos e ele apenas 1952. A pena que cumpria não teria fim até que encontrasse Jesus novamente e com uma sede infinitamente maior, razão pela qual levava na sua tralha uma garrafa com água. Disse ainda que o seu nome era Asverus e que era conhecido como o Judeu Errante. Afirmou que me acompanharia até passar pelos dois córregos e que não poderia ficar longe dos mananciais porque sofria muito quando a água ficasse fora do seu alcance. A diferença entre os dois: Osíris falava apenas quando perguntado e ainda assim, com bastante dificuldade. Já o Coureiro tomava a iniciativa e ia desfiando sua história incluindo em sua fala informações que sempre pareciam imprescindíveis. (Continua)

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