Comecemos este texto já com uma provocação: a voz do povo não é a voz de Deus. Esta frase, para quem vem acompanhando os meus textos, não é nova. Essa é uma questão à qual sempre irei recorrer, qual seja, à desmitologização do povo como fonte irrefutável de saber e de certezas. O povo, às vezes, me apavora. Pronto, já disse. Tenho medo da multidão ensandecida. Do estádio cheio, repleto de torcedores uniformizados. Um instante, e toda aquela alegria pode se transformar em desordem, quebra-quebra. Quase sempre desconfio das grandes maiorias, das unanimidades. Muitas vezes fui impelido a dizer “não” quando todos diziam “sim”, pelo simples fato de me colocar contra. Isso mesmo. Agora me desnudo.
Enquanto muitos torcem, gritam slogans, vestem a camisa do seu time favorito, assumo diante de todos: detesto futebol. Não encontro uma razão sequer para 22 jogadores – é isso mesmo? – correrem desesperados durante 90 minutos atrás de uma bola. Quando servi o Exército, isso em 1984!, travei uma luta enorme para ser dispensado das partidas de futebol às segundas, quartas e sextas-feiras. Finalmente consegui. Não por mérito, mas por absoluto demérito. Ninguém me queria em sua equipe. O time que me tinha, contava com um jogador a menos. Enquanto todos corriam excitados atrás da bola, ficava eu parado no campo, pensando na vida, filosofando. Até que fui excluído. Anos depois, jovem frade dominicano, eis que às terças e quintas-feiras era obrigado a jogar, ora futebol, ora voleibol. Que tormento! Aquilo era pior do que cumprir o meu voto de castidade. Pior do que usar silício. E implorava: eu faço qualquer coisa, frei, lavo os banheiros, encero o claustro do convento – encerava-se com parafina, manualmente – todos os dias, jejuo três vezes por semana, rezo o rosário diariamente, mas pelo amor de São Domingos, não me force a jogar bola.
Tenho consciência que muitos amam música sertaneja: Vitor e Léo, Bruno e Marrone, Leonardo, Zezé Di Camargo e Luciano. Eu sei. Mas, lamento informar que também não suporto música sertaneja. E, quando estiver de violão em punho, não me peçam pra cantar nada desses caras. O meu estômago embrulha só de ouvir aquelas músicas horríveis, chorosas, aquelas canções… deixa pra lá. Na música, também nado contra a corrente. Você que me lê agora já ouviu falar em Valdemar Gavião? E em Giovanna Farias? Ceumar? Victor Jara? Billie Holiday? Já ouviu “Quintal das memórias” (o CD acústico do Didi) do princípio ao fim? Não? Ah, então é por isso que você escuta essa música horrível que toca no rádio. Só pode ser por isso. Pagode, axé music, forró universitário: tudo farinha do mesmo saco. A quintessência do lixo! Gosto é de Cartola, de Teresa Cristina, de Gonzagão, de Maciel Melo, Clã Brasil, Roberto Diamanso e tantos outros que estão fora da mídia – entenda-se por mídia o que está no gosto popular, o que o povo gosta.
E na literatura? Na literatura reflete-se o mesmo triste cenário. As pessoas se deleitam com Paulo Coelho, Zíbia Gasparetto, Augusto Cury, Dan Brown, Lya Luft e tantos outros “best-sellers” comercializados em bancas de jornal e nas principais livrarias do país. Não costumo ler esses autores. E quando o faço, é para posicionar-me contra. É para questionar, criticar. Prefiro os clássicos. Prefiro Machado de Assis, Dostoiévski, Ismail Kadaré, Faulkner, Saramago, Nilton Bonder, Girard, Antônio Torres, Hélder Macedo, Graciliano… Mas esses escritores não estão na mídia, dirão alguns. Sim, disso também sei. Acontece que, como falei antes, enveredo por outro caminho. Um pouco mais pedregoso, é verdade. Nele não tem flores, não tem fontes cristalinas, céu azul, lagos encantados, coisas do tipo “Sorria, Jesus te ama”. Frequento o caminho das profundezas, muito abaixo do pré-sal, onde as coisas são o que realmente são. Sem fantasias. Sem maquiagem.
Definitivamente não é porque o povo gosta de algo que aquilo se torna bom. A Alemanha hitlerista está aí para corroborar nosso argumento. Aliás, já foi dito em outra crônica que, sempre que muita gente está de acordo sobre um mesmo assunto, pode ter certeza de que há algo de errado. Embora eu não soubesse o porquê, sempre desconfiei das maiorias. Das unanimidades. Inconscientemente, é claro. Sempre senti simpatia pelo pária, pelo estrangeiro, pelo diferente, por aquilo que era considerado fora da ordem. Descendente de marrano (são chamados “marranos” os judeus convertidos “na marra” ao cristianismo, daí o uso do termo), e acostumado desde sempre em ser estrangeiro, perseguido, diferente, as minorias, os excluídos, exercem uma força imensa em meu imaginário. E René Girard me deu o suporte teórico para compreender esse posicionamento.
Fuja da mediocridade. Tenha coragem de dizer “não” quando todos dizem “sim”. É preciso criar coragem e ouvir Elomar – ou quem quer que seja, desde que esteja fora de moda – em alto e bom som, ainda que os vizinhos nos olhem estranhamente. É preciso ter coragem e ler Dostoiévski, Dante, Shakespeare, Patativa do Assaré. É preciso ousar e dizer: “não, não gosto disso”, ainda que todos gostem. Sejamos nós. Sem mimetismos vãos. Experimente mudar. Escute outras músicas, leia outros livros, vista outras roupas, tome outra bebida, torça por outro time ou faça como eu, não torça por time nenhum. Ouse. Discorde da maioria. Não seja povo, seja simplesmente você!
Comentários
Amigo velho, saudades! Não por um acaso vasculhei seus fazeres e me deparei com essas verdades ditas por você. Queria também sair declamando a gritos feito um alucinado e afiar os ouvidos dessas pessoas a ponto de não querer mais ouvir essa banalidade de música que apelidaram de sertanejo universitário que para mim não passa de um sertanejo primário. E aí vai a leitura esquecida pela juventude, os jovens são letrados no celular,as bibliotecas estão cheias de livros para servir ao governo na prestação de contas com a educação nas pesquisas, vão servir às traças em sua cadeia alimentar.Um grande abraço!!!!!!!
Nossa, Rubem Alves tem um texto no mesmo sentido e com as mesmas conclusões e até exemplos parecidos… acho muito interessante porém, temos que cuidar e refletir mais profundamente, pois geralmente, mesmo quando resolvemos ser “diferentes” da massa, continuamos no mesmo padrão dicotômico de realidade, vamos de um extremo a outro sem realmente sentir quem somos nós. Esse é um grande desafio do nosso tempo: NOS encontrar no meio de tantas categorizações e teorias, no meio de uma sociedade em que nossas crianças são bombardeadas com comerciais emocionalmente apelativos para que tenham isso e façam aquilo. Geralmente escolhemos um papel (seja do contra ou não) e nos identificamos com ele, transformando-se em uma autodefesa ou máscara. Não é fãcil não, na prática ser dono da nossa própria vida é bem complexo!
Muito bom o texto do prof. Tarzan Leão. Precisamos de gente assim, que tenha coragem de mostrar o que de fato acontece na sociedade. Parabéns também ao metro.org.br
Gostei Muito…
Parabens.
simplesmente fan-tas-ti-co. assino em baixo.
abraço ao tarzan,
dr. geraldo