Saudades da BH de outrora

Publicado por Sebastião Verly 12 de abril de 2010

Saudades da BH de outrora

Me recordo do deslizar silencioso dos tróleibus, e o ronco agradável dos bondes em frente ao abrigo próximo à Rodoviária, sem a fumaça preta dos ônibus de hoje. O cheiro agradável do café fresco se misturava com o das frutas das quitandas da Avenida Paraná: “Ó o café Cruzeiro Extra!”. Os engraxates anunciavam: “Olha o lustro americano, passa tinta, passa pano, passa graxa”. “Diário de Minas!”, gritava o jornaleiro.

Meu coração aperta ao lembrar das árvores em fila dupla que emolduravam a Afonso Pena. O prefeito Jorge Carone em 1963 mandou cortá-las, pois atrapalhavam o trânsito. Violência maior contra BH foi perpetrada pelo “governador” Rondon Pacheco, nomeado pelos militares para o cargo. Foi dele que partiu a autorização para a mineradora MBR, hoje incorporada pela Vale do Rio Doce destruir boa parte da Serra do Curral, que deu o nome de belo horizonte para a capital.

Junto com as árvores e parte do nosso belo horizonte, as muitas lojas que ali haviam também desapareceram. Para mim o centro, que a gente chamava de “Cidade”, permanece vivo como um terreno bucólico de minhas lembranças. As senhoras que chegavam do interior faziam “avenida” de braços dados com os maridos apreciando os últimos lançamentos da moda nas vitrines da majestosa avenida. Seus pés delicados sobre os saltos altos não corriam o risco de torcer nos buracos que hoje são a marca das calçadas do centro.

Saudades da BH de outrora

A “Guanabara”, com seu prédio que ostentava grandeza, saiu sem deixar rastro. A Mobiliadora Inglesa que se fundiu com as Casas Levy, gerando a Inglesa-Levy, a Bemoreira e a Ducal que formaram a Bemoreira-Ducal nos atendia bem, mesmo sendo secundária, e a Sloper merece ser lembrada. De boas lojas, nem sobra do que era pode restar ali no centro. As lojas Hamilton foram para a Savassi e para os shoppings. Será que ainda resistem em meio às franquias globais? Eram belas lojas, onde os estudantes expunham as fotos das turmas de formandos, a cada ano mais trabalhadas as estruturas que ornamentavam o conjunto. Todo mundo parava ao cair da noite procurando encontrar algum conhecido no meio das fotos dos cursos das duas honrosas Universidades: a Federal e a Católica.

A Igreja São José, a primeira projetada para a nova capital, de um ponto de encontro religioso no centro da cidade, virou um estacionamento com uma grade na frente da escadaria. Ao fundo do quarteirão os padres construíram o “Edifício Santo Afonso”, símbolo do pragmatismo global do catolicismo romano. A de Santo Antonio, de origem discutível, hoje se encontra atrás de out-doors e propagandas das lojas que a circundam, e sua área externa virou um mega-estacionamento. Também a de Nossa Senhora das Dores, na Floresta, não ficou para trás e abriu várias lojas.

Os cinemas, o Glória já havia ido há muitas décadas, restavam o Arte Avenida, o Art-Palácio, o Brasil, o Acaiaca, o Tupi e o Metrópole, comprado e demolido pelo Bradesco que ali construiu um prédio de gosto horrível. Se o país não passasse pelo auge da ditadura militar certamente teria havido algum protesto contra esse símbolo do capitalismo selvagem que se projetou a partir de São Paulo.

Saudades da BH de outrora

A papelaria Rex ainda tentou mudar para bem longe, lá para a Avenida Nossa Senhora do Carmo. Será que vingou? A proprietária, Viúva Antonio Guerra, desapareceu do ponto mais central da Praça Sete. A Livraria Oscar Nicolai, que luxo era a sua placa que parecia ter letras de ouro! O Sabino trabalhava lá, eu creio. O Roberto, grande livreiro e também como pessoa, deixou a vida outro dia. A foto Zatz quase única nas fotos 3×4 ainda permanece num cantinho sem nenhuma expressão.

O conjunto Sulacap descaracterizou-se completamente. Hoje mais parece uma favela vertical no centro da capital. A aprovação daquela monstruosidade, dizem as más línguas, enriqueceu o prefeito da ocasião.

O prédio da Assembléia Legislativa, ali na Praça Afonso Arinos pegou fogo e levou com o incêndio todas as provas das vultosas maracutaias. Ao lado, ainda resiste o Centro de Cultura, localizado em um belíssimo prédio de arquitetura neogótica de inspiração portuguesa. O Grande Hotel cedeu lugar ao Conjunto Arcângelo Maleta.

Os hotéis até que teimam em manter os nomes que já não têm mais nada com seu passado. O Ambassy, o Financial, o Brasil Palace; o Oeste, o Bragança e Gontijo, preferidos pela gente cautelosa, alguns viraram motéis de alta rotatividade na confusão que virou o centro.

Os bancos encheram as malas de dinheiro e se mudaram para São Paulo e até para o Rio de Janeiro. Algum terá ido para Brasília, onde o papel moeda não fica lá muito limpo. Mas banco foi feito justamente para lavar dinheiro oficialmente. O Banco da Lavoura no inicio dos anos 60 criou a melhor sala de treinamento em plena praça sete. Depois ela mudou lá para os lados da Pampulha. O Bancomércio brindou a cidade com um moderno prédio ali na Rua Espírito Santo. Fazia páreo com o Banco do Brasil e o de Minas Gerais. Depois veio o Crédito Real, mas tudo se desfez de suas lembranças, que agora nos parecem tão provincianas. O Moreira Sales pelo menos transformou-se num centro de cultura.

O Café Pérola, com a mesma categoria, era o ponto de partida para toda campanha eleitoral, para prefeito, governador ou presidente da república. Hoje virou Mc’Donalds, que humilhação! Ali do lado resiste bravamente o Café Nice, inaugurado em 1939. Vale a pena chegar até lá e tomar o café com um sabor especial, parece que é exclusivo mesmo.

Descendo a Rua Rio de Janeiro, o Grande Camiseiro, onde nostalgicamente um primo meu insiste em encontrar as peças do vestuário que aprecia: camisas de puro algodão, jeans de qualidade, cinto de couro autêntico. Permanecem até mesmo alguns antigos vendedores. Mais abaixo, o Mundo Colegial desapareceu tão logo o progresso chegou. O que restou mudou as aparências para sobreviver. Algumas sapatarias, a Americana ou a Praça Sete Calçados desfiguraram para sobreviver. A Balalaika pegou fogo. E comprar na Radiante não é mais uma barbada. É simplesmente impossível. E o Nacional Magazin que fim levou?

De bares e restaurantes não sobrou quase nada. A Tiroleza, ponto de encontro onde conheci Nelson Gonçalves com a Mara Rúbia, foi uma das primeiras a fechar as portas. A Cantina do Ângelo, que era um local para comemorar o recebimento do primeiro salário em um emprego novo, com suas massas e vinhos. Resta o Café Palhares que resiste a toda prova com seu famoso Caol. E hoje ninguém quer mais saber porque chama o prato de Caol, iniciais de cachaça, arroz, ovo e lingüiça. Mas até o prato sofreu mudanças. No lugar da cachaça pode ser até cerveja, e mesmo carne se alguém pede é atendido.

Buscar essas lojas no centro é um passatempo de pessoas nostálgicas. A gente vai olhando as trapizombas no caos urbano poluído, barulhento, congestionado e selvagem que se instalou no miolo da Capital e dizendo para os mais novos: ali era tal loja, aqui era o banco tal, e a descrição de uma “Cidade” bucólica vai alimentando as saudades da BH de outrora.

Comentários
  • Jéssica 3753 dias atrás

    Oi Consuelo! Eu queria saber se havia alguém próximo ao meu avô, porque minha tia foi adotada naquela época e hoje ela tem muita vontade de conhecer sua mãe, só que nós não temos quase nenhuma informação. Mas nós não queremos incomodar e nem trazer problemas pra ninguém. Muito obrigada pela informação!

  • HAROLDO BARBOSA 3758 dias atrás

    Boas lembranças, Sr Elias Aun (Foto Elias)Meu primeiro emprego 5-5-1955, na rua rio de janeiro 430,e depois rua tupinambás, 526,trabalhei na casa Guanabara de 1967 até o final, quem lembra do bazar Novo Mundo, Av. Parana com Tamoios, na copa do mundo de 1958 quando o Brasil foi campeão, teve que fechar antes, pois o estoque de foguetes acabaram, Sobrado dos Calçados, Afonso Pena 333 , grande abraço , Haroldo

    • Jéssica 3758 dias atrás

      Oi Haroldo, estou procurando informações sobre o passado do meu avô e gostaria de saber se você conhece alguém que trabalhou na casa guanabara no período de 1964? Obrigada, Jéssica!

    • Consuelo Lobo 3755 dias atrás

      Verly, Boa tarde!
      Adorei este texto. Até hoje na minha casa encontro coisas desta época, como o fogão era da minha mãe tem a marca Bemoreira- Orsini; tem um cabide com etiquêta do Mundo Colegial com todos os selos e preço. Meu pai conheceu minha mãe na padaria Boschi que era do meu tio e eles trabalhavam lá.
      Queria que vc comunicasse com a Jéssica ( que escreveu no dia 28/07/2014) que eu tenho um Tio que era gerente da Guanabara. Se ela quizer comunico com ele e pergunto se ele quer este contato; desde que seja para recompôr histórias e não problemas.
      Um abraço Consuelo Lobo

    • Paulo 3005 dias atrás

      Vivi em BH de 1962 até o final de 1973. Boas recordações. Tive cadeira cativa no Mineirão. Morei na rua rio de janeiro, 927, depois na guajajaras, 720, edifício Paraopeba, posteriormente para ulhoa Cintra,90, perto do hospital militar e depois rua Araxá no colégio batista. Acompanhei o futebol mineiro, ouvindo no rádio de pilhas, Jairo anatolio lima, Lucélio gomes, Alberto rodrigues, José Silvério, Kafunga, Sérgio Ferrara, Vilibaldo Alves, Jota Junior e outros. Muitas saudades!

  • Vanderci Lopes 3795 dias atrás

    Obrigado pelo artigo, Sebastião! Muito nostálgico seu artigo. Meu pai me contava vária histórias de BH que estão resumidas aqui! Um abraço!

  • Marcelo 3903 dias atrás

    Selaria Mexicana, ponto de encontro de fazendeiros de todo estado que vinham a capital para tratar de negócios e visitar familiares e filhos que estudavam. Primeiro proprietário Rivalino e posteriormente seu sobrinho Henrique Rodrigues Pereira que a todos recebia com jeito amigo, ficavam todos os clientes e amigos por horas a bater papo no balcão, Henrique rejeitou ser Deputado para não desagradar amigos do outro lado da política. Tempos bons…

    • Leonardo Abreu 2692 dias atrás

      Boa noite Marcelo, eu tenho uma foto antiga do meu bisavo em frente a selaria mexicana, por acaso vc lembra onde exatamente ela ficava?, gostaria de fazer uma foto minha em frente ao endereço no estilo da foto do meu bisavô.

      grato

  • Lélio Cunha 3921 dias atrás

    Parabéns pela descrição detalhada das várias lojas de que me lembro muito bem. Gostaria de ter visto uma foto da loja Guanabara, mas não tem. A Sloper não era na rua da Bahia, mas, sim, na rua Rio de Janeiro (comprei muito lenço pro meu pai lá).

    • sandra 3337 dias atrás

      A Slopper era na Av. Afonso Pena, entre Tupis e Espirito Santo. Só na decada de 70 é que mudou-se para a Rio de Janeiro.

    • Solange C Fonseca 676 dias atrás

      A Sloper comecou na Av. Afonso Pena. A minha mae sempre comprava la. Depois ela se mudou para Rua Rio de Janeiro, la embaixo, perto da Rua dos Caetes. Ali ela comecou a decair.

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