Meu primo irmão me provoca a falar dos circos da minha infância na nossa terra natal. Sinto uma intensa vontade ao trazer as mais belas imagens daquele tempo. Porém, não consigo concatenar as idéias e lembrar de muitos detalhes. O título mais apropriado seria “E o circo chegou”. Só que devido a situação atual dos circos tradicionais, quem acreditaria que o circo volta à sua cidade?
O circo, até os anos 60, eram montados naquela pracinha logo acima da Igreja. Era um espaço em que instalavam os parques e circo-teatros. Anos depois eram montados na praça acima dois quarteirões, a qual, não sei porque, era chamada de Praça do Mercado.
Primeiro falo dos parques de diversão. O parque chegava e conseguir trazer as moças da periferia para o centro da cidade. A última vez que vi um parque foi na cidade de Granada na divisa de São Paulo com Minas Gerais. Estávamos no ano de 1972 e nada havia mudado. Muita gente vinda dos bairros pobres e sem calçamentos passeavam ou faziam o “footing” com seus pés avermelhados de poeira que mostravam dentro de sandálias baratas. Vestidos simples, bem lavados e bem passados, rouge, pó de arroz e perfumes baratos deixavam o ar bem cheiroso.
E a barraca onde colocavam as músicas era observada pelas mocinhas. Verificavam se seus pretendidos ou pretendentes estavam a lhes oferecer músicas. Daí a pouco o alto falante anunciava:
-Esta música é que alguém oferece a alguém, com prova de muito amor. E esse alguém sabe quem é.
Ali ficávamos até o alto falante anunciar o encerramento das atividades lá pelas dez e meia onze horas da noite.
Na mesma praça da minha cidade montavam-se os circos tradicionais.
Quando criança eu morria de dó do vigia que ficava tomando conta da tralha que formava o circo. O vigia dormia quase ao relento.
O circo chegava e, quem podia, juntava uns trocados para ir pelo menos a uma matinê. As lonas dos circos que chegavam ao interior estavam quase sempre rotas. O circo fechado por um circulo de arame farpado não impedia que os pivetes maiores penetrassem pela cerca e passassem por um buraco da lona. As meninas nas arquibancadas cuidavam de proteger a calcinha da vista de quem estava embaixo. Naquele tempo, as moças só usavam saia.
Eu ia a poucos matinês, mas sabia tudo que passava naquelas sessões. A menina reproduzia tudo em seus quintais. Junto com alguns vizinhos, chegamos até a montar um circo fechado com folha de piteiras. Naquele tempo em nossa vizinhança abundava a pita. Fazíamos trapézio e até pernas de paus com as quais os mais espertos saíam nas imediações anunciando nosso espetáculo. Houve dias que muita gente adulta compareceu ao nosso improvisado circo. Reproduzíamos muito do que fora apresentado no circo que recentemente deixara a cidade. Até um trapézio bem fajuto montávamos. Nossa representação era feita logo depois que o circo ia embora.
A chamada era feita com frases semelhantes:
-Hoje têm espetáculo?, gritava o palhaço ou um outro anunciante.
E a criançada que acompanhava a turba gritava:
-Tem sim sinhô.
-Hoje tem marmelada? Tem sim sinhô.
O diálogo prosseguia até que o anunciante dizia.
-E o palhaço, o que é?
E entre risos e gritaria todos diziam:
– Ladrão de muié.
Vinham circos só com palhaços, peças sentimentalóides e piadinhas picantes. Ou ainda os circos de cavalinhos como eram chamados e traziam muitos bichos: desfilavam pelas ruas para chamar a atenção, girafas, ursos e leões dentro de suas jaulas, cavalos enfeitados com acrobatas se equilibrando de pé sobre suas montarias. Hoje, vemos o quanto aqueles animais sofriam. Não havia nem cuidados com sua higiene.
Muitos circos famosos passaram por lá. Casos há para contar. Mas ainda temos que relembrar da Madame Itália, dos Palhaços Pingolô, Pozoli e tanto outros que nos fizeram rir antes de chegar a TV.
Mas o circo que marcou nossa adolescência foi o Circo Irmãos Elias. Muitas vezes aquele circo tão pobre e tão puro esteve lá no interior alegrando tanta gente. De início tinham alguns animais, mas nas últimas vezes estava reduzido ao grande palhaço Delmário, seu parceiro, o Freitas. As irmãs Zélia, a Priscila duas morenas bonitonas, estilo holywoodiano, a primeira com seu acordeon Scandalli vermelho alegrava a todos, e a segunda da cara amarrada, das que gostam de ser seduzidas, fazia o papel de difícil no teatro. O malabarista Jota Júnior, cabelo tipo Mandrake, para trás, brilhantinado, dentes de ouro à vista, jogando as cinco garrafas para cima, com sua jaqueta de lantejoulas verdes. E mais uma dúzia de familiares que participava de esquetes, peças teatrais simplórias e algumas graças quase sem graça. Um número de grande sucesso, ponto alto do espetáculo, era o número dos trapezistas. Todas as crianças se apaixonavam por eles.
Eu, minha irmã e minha sobrinha participamos de muitos piqueniques com a rapaziada do circo. Gente simples e muito honesta. No final eram poucas as pessoas que ainda pagavam ingresso. Todo mundo era amigo de alguém da troupe. Quem não se lembra das graças do Delmário. Toda noite ele começava seu espetáculo dizendo: ”ô vontade de comer pamonha.” Até que um dia o Zé da Celsa do Jaci pediu sua mãe para fazer pamonha, pegou uma e quando o palhaço proferiu sua fala de todos os dias, nosso amigo saiu correndo com a pamonha nas mãos. Esta noite o riso foi maior. E ele passou a falar “ô vontade de ganhar uma nota de mil” Espertinho o palhaço.
Quem não se lembra do Gilbertinho, hoje, doutor Gilberto, que pediu à sua mãe para fazer uma roupa semelhante à do Delmario e apresentou em um show no Cine Teatro Marabá?
Para encerrar a fala do Delmário ele dizia sempre:
– Pra mulherada, um abraço bem apertado, bem chacoalhado e pros homens…mais “forgado’ um pouco. Ou aquela musiquinha que ele cantava e dançava, cuja letra ficou na mente de todos que o assistiam:
“Vizinha lá de casa
É uma veia sorterona,
E diz que tá aprendendo
a tocar uma sanfona:
A sanfona da véia
Não para de tocar:
Nheco, nheco, nheco,
A veia é de amargar,
Nheco, nheco, nheco,
Ela num para de tocar.
A sanfona da véia
incomoda de fato
A sanfona da véia
Me enche o sapato.
Um dia perco a cabeça
E tenho uma idéia
Eu pego de uma faca e
Rasgo a sanfona da veia.
É isso todo o dia,
A sanfona da veia
não sai dessa arrelia.
Nheco, nheco, nheco,
A veia é um fracasso,
Nheco, nheco, nheco,
Num sai desse pedaço.
O circo faliu de vez e a família ficou mais de um ano na cidade plantando lavoura. Depois mudara de lá e o Delmário ainda fez sucesso durante muitos anos na Radio Inconfidência de Belo Horizonte onde tocava o programa “Delmário é o espetáculo”. O programa passava nas ondas curtas voltadas para o interior. Recentemente tive notícias de que os remanescentes desta família passaram a residir na vizinha cidade de Pitangui.
Havia também a novela, com capítulos diários, que naquela época rolava também no rádio. No rádio, principalmente na Tupi do Rio o maior sucesso de que me lembro foi “O Direito de Nascer”. Mas no circo foi “Sansão e Dalila”.
Há mais algumas lembranças que ficaram. A primeira é a impaciência dos expectadores ante a demora do início do espetáculo. Eles só começavam quando enchia, e os alto-falantes ficavam insistindo para atrair mais gente. Quando a impaciência aumentava todos gritavam: “Palhaço pra fora!”, até que saía o Zeca Trepa para enrolar a galera. De vez em quando o circo apresentava uma dupla caipira, que a gente conhecia nos programas caipiras do rádio. Mas, um dos pontos altos era quando a orquestra tocava, todos trajados a rigor. Era só começar que todos começavam a exigir a música de maior sucesso, um tango brasileiro, de Mário Zan e Messias Garcia, “Capricho Cigano”, que de propósito deixavam para o final. Quando finalmente executavam, todos iam ao êxtase.
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Comentários
Meu nome é Fábio tenho 41 anos de idade moro em Varginha M.G
vivi quase toda minha infância em Parques de Diversôes e em Circos ao lado de minha casa onde armava muitos,e me recordo do locutor Delmário na Rádio Inconfidencia anunciando.
“Programa Delmário é o Espétaculo”,onde a Abertura do programa era esse:
“Hoje tem marmelada? Tem sim senhor!
Hoje tem goiabada? Tem sim senhor!
E o palhaço, o que é?
É ladrão de mulher!”
E o Delmário começava com essa abertura do cantor Teixerina
“O Mundo Do Circo”.
O circo nasceu com mundo
O mundo nasceu palhaço
É um barracão de lona
Erguido em cabos de aço
Saltador e trapezista
Frutos do mesmo balaço
Conheço o mundo do circo
Platéia sauda seus passos
Artista família unida
No picadeiro da vida
Também tem o seu fracasso.
E depois ele falava a programação de todos os circos e lugares onde eles se apresentavam,depois que o programa terminava ele encerrava com
“TOCA BANDINHA TOCA,
VAI TOCANDO SEM PARÁ,
VAI DIZÊ PRÁ ESTA SODADE,
IR BATÊ NOUTRO LUGÁ!”.
Bons tempo que não voltam mais.
Nossa…Ler esta matéria para mim, foi uma feliz volta ao meu passado, quando na época eu não tinha um centavo para ir à cidade e ver e entrar nos circos, e quando ocorria que eu estava na cidade (o que era muito raro) só ouvia, por não tinha grana para entrar nos circos e acho que até por isto eu era tão fascinado pelos circos (Aliás ainda sou ate hoje) que praticamente não existe mais.
Em 1971, quando eu estudava na cidade de Buenopólis MG, que conheci algumas duplas, como por exemplo: Cascatinha e Inhana, Marani e Maringá, entre alguns outros, mas o que tenho até hoje em minha mente foi Caçula e Marinheiro, que ficaram hospedados na casa que eu também era hospede, eu porque ficava na casa de amigos do meu pai para cursar 3º serie do primeiro grau, e eles por economizar alguns trocados não pagando hotel, pois naquele época, era normal usar este artifício, o encontro foi tão magnífico que me tornei um dos maiores fãs desta dupla, que sem dúvida alguma está no rol das melhores deste nosso imenso Brasil.
Mais tarde, já quando adulto, tive a felicidade de conhecer de perto alguns artistas e donos de circos, como o Lambreta, cujo o nome é Wilson Firmo de Carvalho, entre outros como o Cheiroso, o Pouca Roupa e etc., sendo que o Lambreta é um amigo meu.
Hoje Gostaria muito de saber mais sobre o grande Delmário, que na época apresentava o programa Delmário é o espetáculo na radio Inconfidência de BH, juntamente com Tina Gonçalves.
Em tempo aqui o meu e-mail se alguém quiser conversar comigo sobre aqueles áureos tempos
vaninhosouza2010@gmail.com
e Meu Site http://www.gentedeminhaterra.blogspot.com
Abraços a todos
Evangelista
Caro Sebastião: Tive o privilégio de conhecer o Circo Irmãos Elias em sua magnitude e decadência, seus artistas: O Senhor José Elias o patriarca, o eterno vilão nos dramalhões do circo que levava o público às lágrimas. Lembro-me de um deles ” … E o céu uniu dois corações” o galã Zair Elias com sua clarineta tocando “Petite Fleur”, o palhaço Sacarrolha, que nas horas vagas era caçador em nossa região, andava pelas ruas com uma espingarda “pica-pau” à bandoleira. Já escrevi um texto sobre o circo em um de meus livros. Quando trabalhava no posto de serviço da Minascaixa em Cedro do Abaeté, lembro-me que o Prefeito local comprou um espetáculo do circo e distribuiu os ingressos para a população, para que eles pudessem sair de lá. Poderia ficar a noite toda falando do circo que foi um marco de minha paupérrima, porém feliz infância.
Um abraço.
Mto bom ver uma materia sobre o Circo Irmaos Elias, me fez voltar alguns bons anos qdo morava em Matutina, no interior de MG. Na minha infância o circo passou varias vezes por lá.
Como ainda era mto crianca e outros circos tbem passaram por lá, além da Priscila e Delmario, me lembro de outros artistas, os palhacos Piabinha e Bruzundunga, assim como o atirador de facas Mr Black, só nao tenho certeza se esses faziam parte do mesmo circo. Isso sem contar que os shows com cantores caipiras famosos na epoca eram um espetáculo à parte.
Fiquei muito feliz ao ver a reportagem sobre o circo Irmãos Elias, eu sou da família, filho do Rui que fazia dupla com o palhaço pirolinha. A Zelia, o Delmário, a Priscila e o Jota Junior são meus tios. Gostaria de pedir se alguem mais tiver mais histórias sobre o circo fineza me mandar em meu e.mail,pois temos poucas recordações do tempo de circo.
Em tempo, meu e.mail é rogenaldoelias@yahoo.com.br
Grato!!