Para completar a história dos filhos varões de meu tio Xisto, hoje escrevo sobre meu primo Levi Campos. Sua história é a história da modernização da administração pública e da economia de Pompéu, cidade onde nasceu aos 8 de julho de 1919. Era o mais velho dos filhos do então tradicional e conhecido comerciante Xisto de Oliveira Campos e de Dª. Francisca de Oliveira. Cursou apenas as quatro séries primárias no Grupo Escolar Dr. Jacinto Campos e logo dedicou-se à atividade comercial.
Já no início de sua vida demonstrou seu espírito empreendedor, que foi uma marca em sua vida. Foi um dos sócios proprietários da fábrica de manteiga Thomaz Campos & Cia que produzia as manteigas “Jussara e Jarina”, de qualidade reconhecida, que era exportada para outros estados e para alguns países da Europa. Participou da criação da primeira transportadora de cargas do oeste mineiro.
Casou-se aos 25 anos com Colinete Corrêa Campos e tiveram 07 filhos: Eneida, Maria Haidée, Elaine, Ana Nilce, Maria Amélia, Afonso Carlos e Elizabete. Apesar de ter cursado apenas o primário, estava predestinado a ser um grande líder. Tinha a leitura por hábito e fazia-a no escritório de sua casa até altas horas da noite, tornando-se por isto autodidata em vários assuntos. Tinha por sua terra uma verdadeira paixão e grande idealismo para a solução dos problemas locais. Com a disposição e dedicação à vida pública, foi vereador por duas legislaturas de 1947 a 1951 e de 1955 a 1959 (em uma delas o mais votado) e prefeito municipal na gestão 1962 a 1965. Não abria mão de ouvir religiosamente o programa radiofônico oficial “A Voz do Brasil” todos os dias, inclusive em sua fazenda onde tinha um rádio alimentado por bateria automotiva.
A partir de então, pôde demonstrar todo o seu carisma e sua habilidade política, interrompendo através de seu partido, a União Democrática Nacional, UDN, o continuísmo do governista Partido Social Democrático, PSD, que vinha de muitos anos. Assumindo o governo, mostrou uma das suas principais virtudes, o espírito imbatível e a natureza conciliatória, fazendo uma administração supra partidária, em que colocou a seu lado os antigos opositores. A partir de sua gestão, marcou-se uma nova era em Pompéu, iniciando novo ciclo de desenvolvimento. Quando ocorria de um grupo de estudantes rebeldes sair de madrugada fazendo pixações pela cidade, ele era avisado, saía em sua camionete “Rural Willys” atrás dos contestadores, e, ao invés de ameaçar ou reprimir, passava o resto da noite confrontando as idéias.
Dentre as principais obras da gestão Levi Campos, pode-se ressaltar a criação do Departamento de Educação Rural, do Ginásio Estadual de Pompéu, que funcionava no turno da manhã no prédio do antigo Grupo Escolar e hoje Escola Estadual Dr. Jacinto Campos, que passou por ampla reforma. O ginásio abrangia o que hoje são as séries de 4ª à 8ª do 1º grau. Antes havia apenas o Ginásio Dona Joaquina, particular, que acabou se tornando uma Escola Técnica de Comércio do 2ª grau. Com o desenvolvimento da cidade logo surgiu outra escola de 5ª à 8ª séries, o Instituto Ruth Grassi. Criou e construiu também nas periferias da cidade os Grupos Escolares (hoje Escolas Estaduais) Francisca de Oliveira, que recebeu o nome de sua mãe, Antônio da Palmira, o qual deixou em fase de acabamento e José Maria de Carvalho, que depois ganhou novo prédio. Construiu o prédio próprio do Posto de Saúde Mário Campos, reestruturou e iniciou a construção do prédio próprio da Santa Casa de Misericórdia, empenhou-se para a instalação no município do escritório da ACAR (hoje EMATER), da agência autônoma da Caixa Econômica Estadual, encarregada de orientar e financiar a agricultura e pecuária.
Deve se também a seu empreendedorismo a construção, manutenção e reforma das estradas municipais de maior trânsito, o calçamento poliédrico da área central e renovação da arborização da cidade, a construção das praças públicas ajardinadas, com projetos paisagísticos onde antes eram apenas pastos e “campinhos” de futebol, quais sejam Presidente Kennedy (que hoje tem o seu nome), Governador Valadares e Governador Magalhães Pinto (hoje Leonardo Campos). Também foi de sua iniciativa a construção de mais dois poços artesianos para resolver o crônico problema do abastecimento de água da cidade, a aquisição do terreno e início da obra do Aeroporto Tenente Xavier, o planejamento e aquisição do terreno da Praça de Esportes José Maria Álvares da Silva.
O que mais me impressionou em Levi, enquanto prefeito foi o compromisso com o social, mostrado principalmente na universalização da educação rural e do atendimento ambulatorial e hospitalar, mas também na sua postura à frente da máquina pública municipal, muito mais de líder que de gerente, conseguindo o envolvimento profundo de seus comandados de quem destacava o compromisso de servidores públicos.
Além de prefeito, participou ativamente de todos os fatos que marcaram o desenvolvimento de Pompéu, sendo presidente da Companhia Força e Luz de Pompéu, e seu maior acionista privado, presidente da Companhia Telefônica e Provedor da Santa Casa de Misericórdia, entre outras iniciativas. Afastando-se da vida pública, tornou-se um dos modelos de agro-pecuarista da região, tendo como um dos últimos atos de sua vida a formação da Empresa Cacique Agropecuária Comércio e Indústria Ltda, que deixou para os filhos. Morreu precocemente aos 59 anos de idade, deixando um vazio em todos aqueles que o conheceram.
Levi era, desde muito jovem, um político ousado e inflamado, combativo e corajoso. Seguia com naturalidade os passos de seu líder, Carlos Lacerda, da UDN nacional, chegando a ser chamado de “O Carlos Lacerda de Pompéu”. Levi era um nome admirado por toda a população da cidade, e respeitado pelos seus mais ferrenhos adversários. Era também um conselheiro acatado e orientava os companheiros de partido, os quais sempre seguiam suas orientações. Exímio orador, expunha suas idéias com clareza, voz firme e decidida. Procurava informar-se bem e tinha posições bem definidas quantos aos problemas locais, estaduais e nacionais. Dono de uma cultura geral bem ampla, adorava encontrar interlocutores cultos com quem discorria horas e horas sobre os mais diversos assuntos.
Sempre tive muitos contados com Levi, especialmente, no período em que trabalhei na “venda” de seu irmão caçula, o Lili. Naquela época, eu me encantava com sua simplicidade para conversar sobre os assuntos do dia a dia. Falava dos negócios, de sua fazenda e das lidas agrícolas em geral. Foi um dos difusores do capim Brachiaria, que substituiu os capins tradicionais de rendimento mais baixo, e trouxe a inovação de “formar pastos”, ao invés de se limitar às pastagens naturais. A “venda” onde eu trabalhava, que ficava ao lado da casa do meu tio Xisto, pai dos meus três primos, era a arena privilegiada para os acalorados debates entre Levi, o mais velho dos irmãos, que era udenista e lacerdista e Tunico, o irmão do meio, que era brizolista. Meu tio Xisto sempre vinha por panos quentes quando o tom de voz exacerbava.
No Levi me impressionava o empreendedorismo principalmente na vida pública. A construção da nova estrada ligando Pompéu à antiga BR 7, atual 040, a então MG-153, hoje MG-420, com uma ponte de 124 metros de comprimento sobre o Rio Paraopeba, deve ser totalmente creditada a seus esforços juntos às lideranças estaduais. Em todos os grandes eventos da cidade tinha participação efetiva e sempre conseguia trazer lideranças políticas estaduais e nacionais. Além da mencionada Fábrica de Manteiga, destacou-se na construção do Fórum, que foi uma dádiva da população ao governo do Estado e na constituição da Companhia Força e Luz de Pompéu junto com seus irmãos Tunico e Lili, que já mereceram nossas crônicas neste portal.
Na inauguração do Fórum Judicial, o prefeito era do PSD, mas o pessoal da UDN fez as honras da casa ao Governador Milton Campos que viajou para Pompéu, em junho de 1950, prestigiando seus correligionários. Lembro-me que, aos 24 anos de idade, eu viajava de Dores do Indaiá para Belo Horizonte em companhia do então deputado Oscar Dias Correia: quando eu lhe disse que era primo do Levi, passei a maior parte do tempo ouvindo elogios às suas habilidades de articulador político. De outra feita, em pleno Regime Militar, preso no famigerado Departamento de Ordem Política e Social, o DOPS, ao ser interrogado pelo delegado Fábio Bandeira de Figueiredo, quando eu disse que era primo do Levi passou a tratar-me de forma respeitosa.
Levi era muito querido e respeitado. Não poderíamos esquecer-nos de seu entusiasmo futebolístico com o CAP, o Clube Atlético Pompeano. Poucos sabem que Levi, bem nos idos dos anos de 1950, jovialmente encantava os pompeanos com sua narração esportiva dos jogos do seu time querido. Há alguns anos, Levi recebeu um busto na praça principal da cidade, à qual já oferecia seu nome.
Last but not list, ou seja, por último, mas não por ser menos importante, houve um episódio muito engraçado envolvendo o meu primo Levi. A Cooperativa dos Produtores Rurais de Pompéu, da qual fazia parte, sempre esteve entre os quatro maiores acionistas da CCPR, a Cooperativa Central dos Produtores Rurais de Minas Gerais, atual Itambé, que hoje é o maior laticínio de capital nacional. Representando os produtores de Pompéu certa feita contam que o Levi compareceu a uma reunião da CCPR, na qual estava presente o então presidente da FAEMG, Federação da Agricultura do Estado de Minas Gerais, o reacionaríssimo Josafá Macedo. Levi fez uso da palavra para criticar a substituição da tradicional coalhada pelo recém lançado yogurt, na pauta de produtos da CCPR. Contam que a reação do Josafá foi a de dizer que o discurso do meu primo era a prova de que a agitação comunista havia conseguido se infiltrar na maior cooperativa de produtores rurais do Brasil.
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