Consciência Comunitária e Cultura de Paz

Publicado por Sebastião Verly 12 de setembro de 2011

O tema comunidade na época raramente era debatido em público e, nas Universidades, existia apenas uma coletânea superficial organizada pelo sociólogo Fernando Henrique Cardoso.

No cinema, marcara época o filme Queimada. Naquela película, Gillo Pontecorvo, num momento de felicidade também rara, leva à tela, uma imaginária experiência, consagrada e consolidada pelo grande ator Marlon Brando. Naquele filme, podemos ver passo a passo como mobilizar uma liderança que, consciente e consistentemente, insufla sua comunidade a sair do comodismo e tomar as rédeas de suas vidas. É um filme e que mostra a realidade, portanto, mostra também o revés imposto pelo sistema capitalista – pela força e competência – até onde lhe interessa. O agente inglês passa a incutir as idéias libertárias no destemido escravo, até que juntos conseguem organizar uma grande rebelião. Dez anos depois ele retorna, para depor quem ele colocou no poder, pois os interesses econômicos exigem um novo quadro político na região.

Apesar da ficção criada no filme, existiu na vida real um soldado estadunidense chamado William Walker, que no período de 1856-1857 chegou a ser presidente da Nicarágua, financiado pelo magnata Cornelius Vanderbilt.

Ao prosseguir nesta reflexão, lembro-me que, em 1972, no auge do regime militar, eu fora selecionado para participar do I Curso de Desenvolvimento de Comunidades para Docentes e Técnicos de Nível Superior, realizado pelo Ministério do Interior em Brasília. No curso, contávamos essencialmente com teorias sociais e trabalhos de reconhecidas assistentes sociais, especialmente militantes na região Nordeste, Safira Bezerra dentre outras.  Éramos poucos com formação sociológica e menos ainda, os que se formaram com mais consciência crítica, dentre os 22 participantes do curso. Ainda hoje tenho contato com o brilhante colega Estênio Iriart El Bayne que foi nosso orador e marcou o momento com palavras e mensagens revolucionárias. A começar por dizer na presença do Ministro e várias membros do alto escalão do regime “um agradecimento ao povo brasileiro que financia este curso”.

Dali saímos com o forte desejo de mudar este país. E sabíamos que deveria ser pela força do povo. Um livro escrito em 1976 pelo bravo Márcio Moreira Alves, deputado federal caçado, no qual ele registra o movimento popular estimulado pelo então prefeito Dirceu Carneiro do oposicionista PMDB, na cidade de Lages, em Santa Catarina, cujos resultados marcaram a vida de todos que estavam envolvidos na Mobilização das Comunidades marginalizadas pelo perverso capitalismo selvagem que vigorava. Hoje, tudo isso é apenas história.

Bem mais tarde tivemos contatos com o livro “Mobilização Social: um Modo de Construir a Democracia e a Participação” de autoria de Nisia Maria Duarte Werneck, com o filósofo colombiano Bernardo Toro e com as Teorias de Planejamento Participativo, do chileno Carlos Mattus.

Na pratica dos nossos trabalhos como Analista de Mobilização Social tivemos contatos com o carismático Rodolfo Alexandre Inácio Cascão que, vindo de uma experiência revolucionária, incorporou o lúdico, o festar, a arte e a diversão nos movimentos e formas de atrair e conscientizar as populações de todas as camadas sociais.

O fato é que as decisões políticas são tomadas por leigos que ignoram totalmente os princípios e teorias de Mobilização. Os dirigentes preferem os trabalhos empíricos, bem no estilo paternalista que mantêm as populações envolvidas como expectadoras passivas do processo.

A essência é muito diferente da aparência. A começar pela compreensão de que todos os seres humanos nascem iguais e só a cultura dominante os trata como diferentes.

Há poucos dias tive uma reunião numa comunidade, em que tive a oportunidade de ver como é diferente lidar com as pessoas, deferindo-lhes respeito e dignidade. Os moradores da Vila Aparecida de BH expunham seus pontos de vista, defendiam seus direitos e reivindicações, com toda a força de seus pulmões e sentiam-se de fato, como iguais. Dos presentes, quem não tinha formação sociológica assustou-se. Nossa colega Maria Lucia Vieira demonstrou seu encanto com a vontade de participar de quase todos os presentes. Foi um show!

É bem diferente você chegar numa comunidade com um pacote pronto, oferecendo o que o poder público julga que deve oferecer e outra coisa é conhecer as reais reivindicações dos moradores que ali realmente sofrem e sabem do que precisam. A demonstração de respeito e apoio é quase tudo que as pessoas precisam.

Só quem estuda, através de todos os recursos disponíveis, o sistema social vigente e seus infinitos truques pode realizar um trabalho sério de Mobilização Social. E saberá que somente a consciência comunitária pode conduzir a sociedade pelos caminhos que sonhamos: a não violência, a solidariedade e a cultura de paz.

Comentários
  • Verly 4848 dias atrás

    Fico feliz em ver meu texto publicado. Sonho ainda ver todas as vilas e favelas de BH com projetos próprios de melhoria da vida para as pessoas que as compõem.
    Pratiquem.
    Verly

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