O ano de 1945 foi marcante na cidade. Algumas pessoas ainda se referiam ao lugarejo como Buriti da Estrada. Pompéu já era cidade desde 1º de janeiro de 1939. Já não era mais um arraial, mas a vida em sua monotonia permanecia como se fosse: 4.000 pessoas viviam na cidade e outros 10.000 povoavam as fazendas.
O prefeito nomeado era José Maria Álvares da Silva, Lilico das Cabaceiras, um homem simples, dono de uma das melhores fazendas da região.
Na oposição estava o Xisto de Oliveira Campos, seus jovens filhos e alguns amigos. As pessoas se olhavam como amigas de um ou de outro prócer político local.
Quase ninguém sabia quem era Getúlio Vargas, Eurico Gaspar Dutra ou o Brigadeiro Eduardo Gomes. Mas os cabeças da política levavam gente simplória em carrocerias de caminhões para votar, quase espumando ao gritar o nome de sua preferência para a presidência da republica. Até hoje, quase 70 anos depois, ainda parece ressoar em nossas cabeças os eleitores, maioria homens, vindo das fazendas, gritando Duitra, Duitra Duitra, sob o comando de um dos cabos eleitorais.
Pela manhã, um sanfoneiro e tocador de violão desceram a rua cantando para insultar os adversários: “Eu te dei 20 mil réis para tirar treis e trezento quanto vale um brigadeiro, dezessete setecento.” Era uma paródia do refrão da música de Luiz Gonzaga. “Brigadeiro vêi do Rio amuntado num jumento, quando vale um Brigadeiro…”
Do outro lado, os brigadeiristas: “É o lero lero, lero lero, marmiteiro, é o quero, quero, quero, quero o Brigadeiro” para criticar os marmiteiros, getulistas, que naquela eleição de 2 de dezembro de 1945, apoiavam o Dutra. Atribui-se ao Brigadeiro a frase de que “não preciso de votos dos marmiteiros”, os trabalhadores. (O termo marmiteiro foi, com o getulismo, logo substituído por trabalhador.)
O voto consistia em cédulas de papel de 6 x 8 centímetros onde estava impresso o nome escolhido do candidato a presidente da República que eram colocados em um envelope branco e depositado na urna de lona. Esses envelopes ficaram conhecidos mais tarde como marmitas, porque incluíram as cédulas de deputados, senadores, prefeitos e vereadores. As cédulas eram confeccionadas pelo partido e ou pelo candidato e colocadas num único envelope e logo após o encerramento da votação eram guardadas pelo destacamento policial até a apuração que começava a contagem dos votos no dia seguinte.
Depois do voto, o quartel eleitoral, que cada adversário chamava o do outro de curral eleitoral. Muita comida, geralmente carne cozida, algumas almondegas rudemente enroladas em caldos quentes para misturar em pratadas de farinha que se ofereciam em sacos de 50 quilos. A comida cheirava ao longe. Os mais espertos conseguiam, bem escondidinho, ninguém sabe como, uma cachacinha para acompanhar.
Pelo lado do PSD estava a grande força dos fazendeiros e alguns afilhados urbanos. Eram tipicamente populistas, num sentido mais primitivo como os pais da pobreza, dono e senhor da vida de seus agregados. Agregado era um nome eufemístico para os moradores da terra de um senhor fazendeiro. Viviam numa situação similar à escravidão. A Situação estava cristalizada no município e contava com as maiores fazendas: Cabaceiras e Diamante.
Na Oposição ficava a recém-criada UDN que contava mais com os comerciantes e jovens liberais que acreditavam estar com a verdade. Para eles todos os políticos da situação eram ladrões, corruptos. Foi o partido baseado no denuncismo e na pregação da moralidade.
Eram orientados pelos bacharéis da capital, ligados ao ex-ministro Francisco Luiz da Silva Campos, o Doutor Chiquinho, alcunhado por Rui Barbosa de Chico Ciência, que sempre vinha descansar na sua Fazenda Indostão, onde criava gado zebu.
A cidade viu a primeira reunião política no sobrado do Sr. João Manoel, cujo nome era João Joaquim dos Santos. Xisto de Oliveira Campos ficou conhecido por manter na sala de sua casa grandes fotos originais do Brigadeiro Eduardo Gomes e Milton Campos, este, símbolo da moralidade, governador mineiro eleito em 1947, era tão querido que foi padrinho de batismo de uma neta do Sr. Xisto. Os filhos do Cintinho do Cacique capitaneavam jovens com aspirações políticas locais. Na UDN uns poucos fazendeiros completavam o quadro da moralidade política apregoada.
A cidade dava os seus primeiros sinais de vida política. O povo ainda se submetia à orientação das lideranças locais e, acompanhados por cabos eleitorais, eram considerados eleitores de cabresto.
Cabresto é feito de corda e se usa para conduzir animais, portanto o nome que prevaleceu por muitos anos e tinha sua razão de ser. Os eleitores eram conduzidos até à mesa da seção eleitoral, por um daqueles cabos eleitorais nomeados fiscais do partido que, mesmo à frente do mesário, orientava o seu fiel eleitor.
Essa era uma imagem comum nas cidades do interior. A rivalidade entre os Capiaus do PSD e os Pó-de-arroz da UDN com uma leve parcela do PTB mais alinhado com o PSD, durou até 1964, quando o golpe militar arregimentou pessedistas e udenistas em sua base de sustentação política, esses últimos sem dúvida com mais força que os primeiros.
Comentários
Excelente. Fico feliz de ver meu trabalho aproveitado e tão bem divulgado. Abração