Água

Publicado por Sebastião Verly 29 de outubro de 2014

riacho

Foto: Nascente do Rio Tietê em Salesópolis, SP

“Fui na fonte do Tororó, beber água, não achei”

Sabe o que é ligar para as distribuidoras de água mineral e ser colocado numa fila de espera para receber um garrafão de água, como já ocorre em São Paulo? Sabe o que é pedir a todos em casa para usarem o infecto banheiro e esperar dias para dar uma descarga? É desesperador levantar-se pela manhã não ter uma gota d’água na torneira para escovar os dentes e menos ainda para fazer um chá ou café. Lavar a boca com coca cola. Por enquanto… Não há, nem perto nem longe, fontes regulares para a comercialização da água.

Com diplomacia, muito tato e jeito, temos de alertar as pessoas para os riscos que estamos correndo em relação ao fornecimento de água. É hora de ter coragem, calçar a cara, e, repito, com muito jeitinho, chamar a atenção de quem continua a lavar carros, passeios e áreas cimentadas com abundância de água. É isso ou a falência do sistema de abastecimento. E, nem pense você que alguém estará de fora. Nos próximos anos, a situação se agravará, rios secarão e todos nós – e nossos descendentes – pagaremos o altíssimo preço pelo desperdício de hoje em dia.

A situação da falta de água é mais grave do que parece. O Brasil tem a maior reserva hídrica do mundo especialmente através de 29 aquíferos conhecidos. E daí? Aquíferos são reservas subterrâneas incrustradas em rochas porosas que acumulam uma astronômica reserva de água de qualidades variáveis. Os aquíferos são recarregados pelas águas das chuvas em regiões sedimentares e protegidas por camadas basálticas. O Brasil possui 29 aquíferos sendo os dois mais famosos o Alter do Chão, na região amazônica, e o Guarani que passa pelo Triângulo Mineiro e vai até o Paraguai, Uruguai e Argentina. Até bem pouco tempo, havia um ufanismo quanto a essas reservas. Chegaram a exorbitar os pesquisadores ao afirmarem que apenas o Aquífero Guarani, o mais famoso, com 1 200 000 km² e que tem 70% de suas águas no território brasileiro e 30% embaixo da Argentina, Paraguai e Uruguai, somente ele, repito, daria para abastecer o Brasil por 2.500 anos!

As coisas começam a se alterar. As pesquisas alertam para o equívoco e rebatem a euforia baluartista. Cidades que já utilizam, há algum tempo, as águas desses reservatórios começam a ter mais dificuldades para captá-las. Um exemplo é Ribeirão Preto, em São Paulo, que já desceu os equipamentos que bombeiam a água da superfície terrestre para uma profundidade de 180 metros. Além da diminuição rápida dos volumes acessíveis, a poluição e a salinidade, aumenta sua contaminação e diminui o potencial acenado desde 1996, quando foi dimensionado o Aquífero Guarani. Apesar da profundidade e quantidade, essas águas sofrem os efeitos poluentes das áreas mais urbanizadas.

A maioria ainda insiste em esbanjar negligentemente as águas tratadas e encanadas. Por toda parte, na Capital, nas grandes e pequenas cidades, a famosa “vassoura hidráulica” segue como elemento de limpeza e umidificação das calçadas e das ruas. E vá você falar com as pessoas sobre a forma irracional de usar a água! A população, de uma maneira geral, considera que, por pagar a conta da água, mensalmente, tem o direito de desperdiçá-la. Ledo engano. A água disponível está se esgotando. A participação de cada um tornou-se fundamental para continuar a ter esse bem tão precioso. A massa da população desconhece a gravidade da situação. Não é alcançada pelos alertas e os políticos sempre acreditam que a bomba vai estourar nas mão de outros.

São Paulo, na capital e em vários municípios, já implantou o corte no fornecimento rotineiro da água. Muito mais do que racionar, houve mesmo corte por vários dias. A roupa suja se acumula no tanque e as vasilhas na pia da cozinha. Pessoas inescrupulosas já abusam da situação e vendem água – sem controle de qualidade – por preços exorbitantes. Caminhões viajam mais de 300 quilômetros em São Paulo para buscar água.

Belo Horizonte e muitas cidades do interior de Minas, já dão sinais de escassez e várias cidades como a rica Pará de Minas já sofrem os efeitos do racionamento.  Quem tem mais de 50 anos, há de se lembrar de períodos de escassez de água em Belo Horizonte. Quem é mais novo pode imaginar o que é ficar sem água em casa.

Mas além do desperdício, ou melhor, da falta de consciência sobre a importância da água é importante começar a falar de duas coisas essenciais, que por serem tão óbvias apenas as crianças e os loucos conseguem entender. As crianças, pois elas é que herdarão esse mundo de Deus, e os loucos porque não aceitam nenhuma censura e têm uma percepção mais aguçada da realidade.

Vamos lá, como era o Brasil até os anos 50? Um país predominantemente rural, pouco urbanizado, mas a partir de então, tudo mudou, ou vem mudando muito rapidamente. Mesmo nas áreas urbanas a água das chuvas era absorvida pelo solo e ia para os reservatórios no subsolo, os lençóis freáticos que formam um aquífero natural, responsável pelo suprimento das nascentes durante a estação seca.

Com a impermeabilização crescente dos solos das cidades, a água de qualquer chuva mais forte, impossibilitada de descer ao subsolo, se torna um grande problema causando inundações, que todos sabem, desalojam pessoas, destroem móveis, eletrodomésticos, roupas, e tudo o mais, e em consequência os lençóis freáticos ficam secos, impossibilitados de alimentar as nascentes quando termina a estação chuvosa. Estas obviedades, como disse, só podem ser percebidas pelas crianças e pelos loucos, mas não pelo homo economicus, que tem uma visão imediatista da vida, para este, falar da escassez futura de água é o mesmo que falar que o sol um dia esfriará e que a Terra vai se desgarrar e procurar outra estrela para orbitar, ou seja não lhe dizem respeito.

Outra grande obviedade que também não alcança o homo lucidus ou o homo politicus que sempre a atribuem ao homo poetae e ao homo philosopum é causado pelas mineradoras, que são muito ativas em nosso estado de Minas Gerais e muito especialmente na Região de Belo Horizonte que está inserida em uma das maiores províncias minerais do planeta, o Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais. Utilizam intensivamente a água para produzir o minério e transportá-lo, destroem a vegetação, deixam o solo desprotegido da erosão, açoreiam os rios e o que é pior e ninguém quer ver, danificam irremediavelmente a estrutura do lençol freático, mesmo depois de recuperaram, quando o fazem, a paisagem. Para brindar os poetas e os filósofos termino com um verso do amigo Maneu, que faço questão de homenagear, esteja onde estiver.

O Cimento

O cimento

como casca

veda

qual mordaça

o chão

falso tapete

esconde e iguala

a terra

por baixo

pede

por instinto

o grão

semente que fecunde

flor que desabroche

os bosques

e os rios

mudo lamento

calada dor

o cimento

como casca

é frio

como lápide

cinza

como eles

os donos

Comentários
  • verly 3673 dias atrás

    FICOU MUITO BOM, Milton. parabéns.

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