A Luz Santana

Publicado por Sebastião Verly 2 de setembro de 2016

a luz santana

Vivi na cidade de Pompéu até 1959, quando, com 17 anos, mudei-me para Belo Horizonte. Até aquele ano, durante as noites sem lua, eu que morava em uma ponta de rua, às margens do córrego Mato Grosso, percebia uma luz, um pouco maior que uma bola de futebol, de coloração amarelo-azulada, como uma estrela que ia aumentando, chegando a ter uma forma de tocha, fazendo um chiado como se fosse um maçarico. A luz oscilava para baixo e para cima no mesmo itinerário.

A maioria das pessoas que moravam nas outras partes da cidade fazia pouco caso da luz, mesmo porque seu aparecimento era restrito a uma região com poucos moradores. A luz aparecia na direção da Estrada que subia de Pompéu na direção de Abaeté, pouco além dos terrenos dos herdeiros do Zé Toureiro, da fazenda do Zé do Antoninho, e de parte dos cerrados que eram do Câncio. Há uns 6 a 10 quilômetros da saída de Pompéu, creio.

Conheci muitas pessoas que foram a Pompéu nos anos 1950 para averiguar a existência da Luz Santana. Houve até um sociólogo que se deslocou de Belo Horizonte com o objetivo de ver a emblemática luz. Outros que foram lá conhecer o tal fenômeno foram os amigos que meus irmãos fizeram ao se mudarem para Belo Horizonte. Alguns motoristas de praça, os taxistas daquela época, eram solicitados a levar os curiosos para presenciarem o fenômeno, evidentemente a altas horas da noite, madrugada adentro. Um deles, José Gonçalves de Faria, o Zé da Amaziles, confirmou nunca ter visto a luz.

Para os habitantes da cidade o assunto pouco rendia. Salvo alguns casos excepcionais como o do meu tio Xisto, já idoso, que solicitou ao seu filho Tunico que o levasse de automóvel até o ponto da estrada em que a luz aparecia. Verdade ou não, consta que ele chamava com sua falha dicção: “vem uz, vem uz”. Ouvi do Onésio Sulampa, ajudante de serviços de meu tio, que quando a luz veio, ele entrou no carro, bateu a porta e gritava apavorado: “pisa no fei, Tunico!”. Ele queria dizer era pisa no acelerador, mas o pânico o fazia trocar as palavras. E o Onésio completava rindo que foi ele quem lavou o banco do carro depois dessa tragicômica aventura.

Minha mãe, nascida em 1908, contava que ouviu dizer que a luz começou a surgir por volta do ano 1920. Daí em diante há muitos casos e muitas alusões a seu aparecimento. Ela dizia que a luz começou a aparecer após a morte de um homem chamado Santana. Ela contava com detalhes. Davi Afonso se tornou um dos homens mais ricos da região após se casar com dona Filinha, herdeira de muitas terras.

Naquela época as cidades não tinham estrutura, não havia hotéis, pousadas, às vezes só uma pensãozinha, mas as fazendas ofereciam-se generosamente para hospedar os viajantes. Geralmente, em retribuição os hóspedes prestavam serviços, as mulheres na casa e os homens na lida da terra. Havia também artistas, cantores, cômicos, que divertiam o pessoal da fazenda à noite. Assim era comum que sua permanência se estendesse por vários dias.

Santana, ao que dizem, era natural da Bahia, havia sido artista de circo e formava com sua esposa Corina um vistoso casal.

Num determinado dia, durante a tal hospedagem, Santana saiu de casa e ao retornar ouviu o relato angustiado de Corina que reclamava que havia sido deselegantemente assediada pelo anfitrião Davi. Naquela noite reuniram seus pertences e se preparam para seguir viagem no dia seguinte logo cedo. No entanto, engasgado com a ofensa sentida pela esposa, Santana esperou o fazendeiro sair para a lida em seu cavalo e, como ator que era, se dirigiu a dona Filinha com uma “cantada” grosseira na frente da própria esposa. A fazendeira reagiu de forma elegante, dizendo que se sentia lisonjeada por ouvir tais palavras de um artista, que era um homem novo e atraente para todas as mulheres. Para desfechar a cena desconcertante Santana lhe relatou o ocorrido entre seu marido e a esposa dele, e que agiu assim para que ela se colocasse na situação deles. Feito isto passaram a mão nas bagagens e a passos rápidos o casal acompanhado de sua cadela tomou a estrada na direção da cidade de Pompéu, a 17 km de distância.

Incontinenti dona Filinha mandou um mensageiro a galope atrás do marido. Davi estava acompanhado de seu irmão João Afonso e de Juca Ferrugem, avô de um colega meu de escola. Juca era um pistoleiro frio e dizem que as terras que ele tinha na região do Morro Doce, onde o filho Luiz viveu toda a vida, foram adquiridas com “empreitadas” para os grandes fazendeiros, especialmente Davi Afonso.

Ainda segundo o relato de minha mãe, Davi Afonso, tomado pela cólera ao saber do fato, acompanhado de João e Juca saíram com o mesmo galope para alcançar o casal antes que atingissem a cidade. Ao perceberem a aproximação da expedição vingativa e prevendo o pior, o casal se escondeu em uns arbustos ao lado da estrada, mas foram traídos pelo latido da cadela.

Segundo os muitos relatos, quando o casal foi localizado e cercado, Corina se ajoelhou com um rosário nas mãos e pediu clemência ao fazendeiro. Impassíveis, os três bateram em Santana até ele desfalecido cair no chão quando o próprio Davi deu-lhe o tiro de misericórdia com uma carabina papo amarelo. Corina, a esposa, ao ver o marido morto ali no descampado, saiu pelo cerrado a quebrar galhos querendo proteger o corpo daquele sol escaldante. “Dizem” acrescentava minha mãe, “que, nesta hora, num rasgo de crueldade, Davi Afonso mandou que a matassem e a deixasse ao lado do falecido marido.” Houve versões que antes de matar Corina a teriam obrigado a engolir o rosário. A partir daí, naquele ponto da estrada, de onde já se avistava a cidade, começou a aparecer a lendária Luz Santana.

Essa história era contada em segredo, pois um dos filhos do Davi, o respeitado José Maria de Carvalho, era um dos homens mais ricos de Pompéu. A viúva de Davi Afonso, dona Filinha, viveu em sua casa na Praça da Matriz até cem anos de idade. Nos seus últimos anos ela usava uma prótese na perna que lhe causava muito sofrimento. Quem morava em Pompéu naqueles anos conhecia aquela senhora curvada pela idade sempre acompanhada pela Dona Cota, uma serviçal idosa, que lhe fez companhia até seus últimos dias.

Por respeito ao admirável empreendedor, que chegou a ter 200 casas de aluguel na cidade e à senhora sua mãe, ninguém ousava contar o caso com nomes verdadeiros e detalhes. Foi até publicado um livro “A luz do Santana” de Armando Campos, que pode ser comprado pela internet, que no entanto utiliza pseudônimos para narrar os episódios. Mesmo por que fatos reais e imaginação, história e lenda se entrelaçam nas narrativas…

Comentários
  • Job Alves dos Santos 2999 dias atrás

    História muito interessante meu caro Milton. As cidades do interior apresentam estas relíquias. Por que relíquias? Porque relatam fatos, hoje considerados ilusórios, mas que eram o reflexo da realidade daquelas épocas. Ademais, que pode afirmar serem falsos? Já nos disse Shekespeare: “There are more things in heaven and earth, Horatio, than are dreamt of in your philosophy”.

  • Teresinha Rousseau 3000 dias atrás

    Quando eu era menina morria de medo dessa luz. Quando contei esta história para minha neta de 18 anos ela disse: só podia ser em Pompéu mesmo.

  • José Aguinaldo Porto 3001 dias atrás

    Verly! A história da origem da luz santana eu nunca ouvira contar. Mas a luz, com certeza existiu. Fui testemunha dela aos oito anos de idade, não só eu como todos os meus seis irmãos, além do meu pai. Ela ocorria exatamente como você descreve. Sempre evitei narrar este fato pois a pilhéria era inevitável. Parabéns pela narrativa e pela coragem de citar a possível origem do fenômeno.

  • Luiz Fernando 3002 dias atrás

    Estória cruel, porém possível de ter acontecido.

  • Verly 3002 dias atrás

    Taí Milton, mais um estímulo para eu continuar exercitando a memória para as lembrança dos meus 75 anos de vida. Muito obrigado. Ás vezes, pode haver falhas mas sempre mantenho o que ouvi ou vi. Parabéns pelo Portal e pela Fundação que você abraçou para fazer o bem.

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