Dois ciganinhos

Publicado por Saulo Soares 30 de dezembro de 2022
dois ciganinhos

dois ciganinhos

Sede de sentido. É o título de um pequeno caderno, do Prof. Viktor Frankl, fundador da Logoterapia, Editora Quadrante. Trata, obviamente, do sentido que “damos” à vida, especialmente à nossa vida. Diz ele que o sentido de nossas vidas não pode ser “dado”, mas somente encontrado. Não podemos criar um sentido, é preciso descobri-lo. Relaciona essa procura e descoberta com a felicidade. Ela, a felicidade, não é algo diretamente conquistado, e sim uma consequência dessa descoberta. Se encontrarmos o sentido, receberemos a felicidade como um efeito, um resultado desse encontro.

Segundo Frankl há três experiências fundamentais para que isso aconteça: o amor a alguém, o serviço a um ideal e a aceitação do sofrimento inevitável em nome de algo maior. Olhando para essas três dimensões podemos chegar a uma conclusão: a felicidade, então, está… no outro. Não está em mim. Não está no ego. Não está no egoísmo. Está no outro. Talvez seja essa a grande conversão, do egoísmo para o amor. Não dessa para aquela religião, mas da conversão de um movimento interior centrípeto, voltado para si mesmo, para um movimento centrífugo, que foge do próprio centro e vai em direção ao outro.

Disse isso por causa do Natal que se aproxima. É comum falar e escutar com saudosismo: perdeu-se o verdadeiro sentido do Natal… Como se nós nada tivéssemos com isso! Não estimulássemos esse consumismo desenfreado! Não contribuíssemos para a troca dos valores evangélicos por cifrões! Não fossemos, tantas vezes, avaros e pouco generosos… Culpados ou não, perdeu-se o sentido do Natal e é preciso reencontrá-lo.

E o que o título desse pequeno artigo tem a ver com isso? Leia essa singela história que a seguir transcrevo e você entenderá. Ela foi narrada por Urteaga e fala-nos de dois ciganinhos, um de dez anos, outro de cinco, famintos que, depois de várias tentativas, conseguem algum alimento: um pote de leite. Aqui começa o diálogo:

– Senta-te. Primeiro eu bebo e depois você bebe.

Dizia aquilo com ar de Imperador. O menorzinho olhava para ele, com seus dentes brancos, a boca semiaberta, mexendo a ponta da língua.

Eu, como um tolo, contemplava a cena. Se vocês visem o mais velho olhando de viés para o pequenino! Leva o pote à boca e, fazendo gesto de beber, aperta fortemente os lábios para que por eles não penetre uma só gota de leite. Depois, estendendo o vasilhame, diz ao irmão:

– Agora é a sua vez. Só um pouco.

E o irmãozinho sorve fortemente.

– Agora eu.

Leva o pote já meio vazio à boca, e não bebe.

-Agora você. Agora eu… Agora você… Agora eu…

E depois de três, quatro, cinco, seis goles, o menorzinho de cabelo encaracolado, barrigudinho, com camisa de fora, esgota o leite. Esses “agora você”, “agora eu” encheram-me os olhos de água! É assim… que temos de nos amar.”

Jesus nasceu em Belém, que quer dizer “Casa do Pão”, lugar apropriado para nascer o Pão da Vida, Aquele que se faz alimento para nós. Sejamos também “alimento e vida” para nossos irmãos e, quem sabe, descobriremos o verdadeiro sentido de viver. O verdadeiro sentido do Natal.

Feliz “redescoberta” do Natal! Feliz Ano Novo!

Comentários
  • Nilton Ramalho Soares 2490 dias atrás

    A Caridade é a essência da vida.

  • lucio elias 2556 dias atrás

    Prezado amigo Saulo.Espetacular esse texto.Muito humano e verdadeiro.Tudo na vida ,não é dado.Temos que procurar,para merecermos as boas coisas da vida.Um caminho para a felicidade e compreessão.
    Felicidade é sabermos que trouxemos alguma coisa positiva,boa e confortável ao próximo.Um sorriso ,um agradecimento é sinal positivo de nossa luta a favor do bem.
    Forte abraço amigo!!

  • Walkyria 2558 dias atrás

    Texto fantástico e muito profundo! Gostei muito.

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