Itacambira em tupi-guarani significa pedra pontuda que sai do mato. Um verso anônimo diz:
“Cidade pequena
Tem belas morenas
Parece um jardim!
Tem ouro, tem gado
Tem céu estrelado
Riqueza sem fim!”
REGISTROS DE VIAGEM
Dia 01/02/2007
Em pleno verão, mês de fevereiro, eu e mais três companheiros de viagem estamos a 1100 metros de altitude curtindo o frio do Alto Jequitinhonha, norte de Minas Gerais, em Itacambira. Cercada de muitas serras, na cadeia do Espinhaço, região de cerrado. A vegetação já foi destruída em muitos trechos e substituída pelo deserto verde, a monocultura de eucaliptos. Região que já foi rica em minério. Ainda hoje há muito cristal e possibilidades de outros minerais. Pelas histórias, percebe-se o quanto foi explorada: ambição e cobiça, conflitos por terras e pedras preciosas, semelhante a tantas outras cidades deste Vale do Jequitinhonha. Hoje guarda a riqueza das águas: cachoeiras e muitos rios.
Cidade de uma rua, poucas casas, mais ou menos seis mil moradores, a maior parte vivendo na zona rural. A igreja matriz, singular em seu estilo barroco oriental, de mais de 300 anos. Uns historiadores falam que ela foi erguida em 1707, outros livros registram 1689. Mas uma coisa é certa: no momento mais emocionante do Grande Sertão Veredas, de Guimarães Rosa, foi lá que o jagunço Riobaldo concluiu sua busca, encontrando o batistério de Maria Deodorina da Fé Betancourt Marins, o Diadorim, “que nasceu para guerrear sem nunca ter medo e viveu para muito amar sem gozo de amor”.
Merece ser lembrada a música “O romance de Riobaldo e Diadorim”, composta e interpretada por Antonio Nóbrega:
“Quando eu vi aqueles olhos,
Verdes como nenhum pasto,
Cortantes palhas de cana,
De lembrá-los não me gasto.
Desejei não fossem embora,
E deles nunca me afasto.
Vivemos a desventura
De um mal de amor oculto,
Que cresceu dentro de nós
Como sombra, feito um vulto.
Que não conheceu afago,
Só guerra, fogo e insulto.
Na noite-grande-fatal,
O meu amor encantou-se.
Desnudo corpo inteiro
Desencantado mostrou-se.
E o que era um segredo,
Sem mais nada revelou-se.
Sob as roupas de jagunço,
Corpo de mulher eu via.
A Deus, já dada, sem vida,
O vau da minha alegria.
E assim Diadorim…
Minha incontida sangria.”
Tem gente que diz que estaríamos voltando no tempo cerca de 200 anos atrás. Claro que há um certo exagero neste número. Mas é muito mágico voltar para um lugar que nos remete às histórias que ouvimos ou vivemos na infância, lembrar os sabores da cozinha do interior, das fazendas.
Hotel da Dona Coló. Galinha caipira, sabor indescritível. Tudo se planta e colhe por aqui. Não há produtos industrializados nem latarias nas nossas refeições. Farinha de mandioca, o feijão novo, angu e o quiabo feitos no fogão a lenha, com banha de porco. Quitandas, roscas e biscoitos assados no forno de barro no quintal. Leite vindo da fazenda, café colhido, torrado e moído na casa. Doces caseiros de leite, marmelo. Que delícia! Cozinha ampla, onde fica a mesa grande, lugar de saborear a vida, as histórias e a convivência.
E ainda temos a presença do papagaio, louro falante que nos acorda assoviando músicas e chamando a dona da casa, gritando bom dia. E não poderia faltar o cachorro Veludo.
À noite, vamos nos esquentar em torno do fogão aceso e contar os causos. Aqui, ainda as pessoas e as famílias se reúnem para uma boa prosa. As tecnologias chegam devagar: a TV, os carros e muitas motos que substituem o cavalo como transporte. Mas o silêncio da madrugada só é interrompido pelo canto dos galos.
Quanta boniteza!
Impressiona-me a alegria da Dona Coló. Hospitaleira, preocupada em receber bem, com comida farta. Ontem à noite eu observava a preocupação dela: será que a comida foi suficiente para todos? Corria e preparava mais feijão, oferecia ovos fritos. Eu tive vontade de dizer a ela que ficasse tranqüila, que todos estavam bem servidos, já eram quase 22 horas. E o chá, com aquelas ervas e umas gotas de pinga, foi uma ótima idéia para esquentar a todos e prevenir possíveis resfriados e gripes. Afinal a aventura do dia foi ousada.
Aventura? Que aventura? Será possível descrevê-la? Prometo tentar. Até breve!
Comentários
Sânia,
Acabo de ler suas crônicas: sensibilidade, leveza, poesia…
Obrigada por nos brindar com este tesouro. Agora, posso dizer que a conheço.
E estou contente por entrar na roda dos que fazem parte deste seu mundo tão bonito e rico.
Abs.
Edmeia
“Naqueles olhos e tanto de Diadorim, o verde mudava sempre, como a água de todos os rios em seus lugares ensombrados”
Sânia, parabéns pelo resgate. Tão pouco se tem escrito a respeito dos lugares onde o dois mais dois dá cinco ou três, sabe lá o humor da arte que os encerra.
Universal é o homem que sabe de aldeias……
Parabéns, Sânia. A cada dia você me surpreende com mais belezas, descritas em suas lembranças.
“Essa terra sim, é de encantar. Não é à toa que fiz daqui o meu lugar.
Tudo que foi dito nesse artigo, é a mais pura verdade. Aqui é tudo isso e muito mais.
Essa belezura me encantou tanto que há dez anos sai da Capital e aqui escolhi viver. Valeu a pena. Aqui se vive de verdade.
Benditas águas que batizaram Diadorim.”
Parabéns pela matéria!