O que um forró não pode fazer?
(continuação da parte II)
Pra não fugir da regra, foi outro casamento, outra Noiva, que fez a história mudar de novo. Às vésperas de seu casamento, Noeli, filha do pastor, ousou pedir música para embalar a cerimônia, artigo de luxo, proibido no povoado onde imperava a austeridade moral e a vida ascética. Talvez movidos pelo entusiasmo e azáfamas dos preparativos, resolveram aceitar. Finda a cerimônia, na qual alguns pela primeira vez descobriram a música, os tocadores resolveram esticar mais um pouquinho e improvisaram um forró. Nenhuma doutrina foi capaz de conter tamanha pulsação, e homens e mulheres descobriram a dança. Desde então, alastraram-se os questionamentos.
No ano de 1991 houve uma reunião em que a comunidade, liderada por Delina, a matriarca, decidiu abandonar a igreja de forma definitiva. Desde então não há religião em Noiva do Cordeiro, e cada um leva seu Deus na mente e no coração. O local da antiga igreja foi transformado em bar e as rígidas regras sobre a aparência e modo de vestir foram sendo rejeitadas progressivamente. A vida sem a rigidez religiosa foi o primeiro passo para tirar o pé da miséria e iniciar um novo ciclo de desenvolvimento comunitário buscando integração social e econômica com o mundo exterior.
A comunidade cresceu e prosperou, mas ainda cercada pelo preconceito dos estigmas, o que era mais difícil se livrar. Chegaram a dizer que Noiva do Cordeiro era um bordel ou a casa do demônio. Com isso, o estigma antigo voltou com força, sem religião e sem a condição de evangélicas, novamente as mulheres da comunidade passaram a ser consideradas prostitutas pela sociedade.
O confinamento fez aquele povo experimentar picos insuportáveis de pobreza e os homens foram para Belo Horizonte trabalhar, retornando apenas aos finais de semana. O resultado foi o surgimento de uma sociedade essencialmente matriarcal, feminina. Em Noiva do Cordeiro são as mulheres que plantam, colhem, cozinham, costuram, bordam, lavam e lavram, em regime totalmente comunitário. Todas trabalham para todas e tudo é repartido. O que uma tem, todas as outras também tem. Nada é de ninguém e tudo é de todos.
O pensamento do filósofo e sociólogo italiano Antônio Gramsci, nos leva a crer que toda religião exerce dupla função na sociedade. A religião influencia o comportamento social, seja para manter o status quo seja para provocar grandes mudanças e transformações sociais. A Religião praticada no decorrer dos anos ou décadas em Noiva do Cordeiro levou aos extremos da racionalidade humana.
Se por um lado o catolicismo romano levou a exclusão de toda uma comunidade com a pratica da excomunhão de um casal que fugiu da normas impostas pela igreja, por outro as normas da Igreja Evangélica Noiva do Cordeiro, levou à pratica da mais profunda exclusão social, sem respeito humano, recheado de preconceito, alimentando o medo de perder a proteção Divina, reforçando a ideia do pecado como punição, sob a visão de um Deus castigador, sufocante e segregacionista.
(continua na parte IV)
Comentários
O artigo é sensacional!
Excelente essa história pois nos faz refletir sobre a manipulação através do medo.
Obrigada por compartilhar esta linda História.
História Fantástica!
Muito bom artigo. Vou aguardar o número IV.