Noiva do Cordeiro – parte I – A Excomunhão

Publicado por Padre Joao Delco Mesquita Penna 4 de março de 2022

A Excomunhão
Uma pequena comunidade do universo rural recentemente ganhou fama e notoriedade nos meios de comunicação social em nível mundial por ter desenvolvido um modo de vida alternativo e sustentável, com partilha de bens, com um modelo de economia solidária e fim da religião institucionalizada. Estou me referindo à pequena e bucólica comunidade conhecida como Noiva do Cordeiro, localizada no município de Belo Vale, na região do Alto Paraopeba a 125 quilômetros de Belo Horizonte.

Situada em uma das mais antigas regiões das Minas do Ouro, anterior até mesmo a Mariana, Ouro Preto e Sabará, há indícios da presença dos seus primeiros colonizadores, nos idos de 1672 a 1674. Em 1695, chegou à região, por ordem da Monarquia Portuguesa, o Capitão José Augusto Fernandes de Araújo, com o nobre objetivo de povoar a região onde os bandeirantes paulistas procuravam ouro e pedras preciosas.

A história da comunidade Noiva do Cordeiro ganhou notoriedade a partir do momento que uma jovem senhora, conhecida como Maria Senhorinha de Lima, se casou com Arthur Pierre, marido que ela não escolheu e que casou somente por imposição do seu pai, como era o costume da época. Anos depois, ainda casada, Senhorinha conheceu Chico Fernandes e ambos se apaixonaram e passaram a namorar e a viver um romance às escondidas.

Mas o fato veio à tona e se tornou público, quando Senhorinha se viu grávida de Chico Fernandes, seu amante. Este fato levou a Igreja Católica, à época, a condenar à vergonha pública toda uma família, além de lhe impor a segregação, amaldiçoando as mulheres até a quinta geração. Depois disso Senhorinha abandonou o marido e foi ter o filho na casa de uma das suas irmãs. Assim, depois de conceber a criança, foi morar definitivamente com seu amante, Chico Fernandes, com quem constituiu uma grande família, teve com ele nove filhos.

Naquele momento surgia publicamente uma história de adultério, inconcebível para a mentalidade do Brasil rural do final do século XIX, o que representava um escândalo recheado de um pecado sem precedentes, e como consequência do ocorrido e mais precisamente com a chegada de seu primeiro filho, os amantes foram excomungados pela Igreja Católica, sentença extensiva às quatro gerações futuras.

Naquele tempo era comum desmoralizar mulheres em nome de um machismo institucionalizado e de certo “jesuitismo mineiro” numa região marcada pelas normas do catolicismo romano. A palavra de ordem então veio da Igreja Católica através do seu representante legal, o padre da paróquia local, decretando a excomunhão e a condenação eterna do casal. Senhorinha e Chico foram expurgados da comunhão da Igreja, proibidos de participar dos sacramentos e da vida eclesial e social, portanto receberam uma maldição, que segundo o reverendo, deveria se estender também aos filhos do casal até as quatro gerações seguintes.

Senhorinha estava condenada à vida segregada, sem direito à sociabilidade nem mesmo entre as outras mulheres da sua comunidade. Aliás não podia se misturar, as outras eram consideradas “de família”, Senhorinha era pecadora, com status de prostituta. Embora Chico Fernandes também fosse discriminado, o fardo do moralismo oprimia, sobretudo à mulher e exatamente por ser mulher, estigmatizada pela ousadia de pensar merecer viver e amar como qualquer outra mulher do planeta.

Foi preciso ter muita coragem para Maria Senhorinha tomar a decisão que tomou e passar a viver com Francisco Fernandes, seu verdadeiro amor. A união deles repercutiu muito mal na sociedade da época e ressentidos com o “adultério”, os familiares do ex-marido trataram de espalhar a história do casal para todos os habitantes, insuflando toda a comunidade de Roças Novas, que ainda hoje é um povoado, a ponto de cortar qualquer forma de contato e aproximação com o casal, havendo inclusive o boicote econômico, nada do que produziam podia ser comprado, ninguém podia lhes fornecer qualquer suprimento ou lhes prestar serviços.

Marcados pelo estigma da exclusão social e de excomungados pela Igreja Católica foram obrigados a viver completamente segregados da sociedade, o que perdurou por várias gerações, fato que os levaram a construir na propriedade um casarão para abrigar a família e seus descendentes.

(Continua na parte II)

Comentários
  • Maria Amélia Correa C. e Campos 986 dias atrás

    Excelente. Como sofriam as mulheres, mas muitas ainda sofrem. Vamos lutando sempre.

  • Márcia Fonseca 992 dias atrás

    Lugar fantástico, tem uma história singular!
    Vale a pena conhecer!

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