Lúcifer, a Reforma Protestante e a Teologia da Prosperidade – parte III

Publicado por Padre Joao Delco Mesquita Penna 14 de novembro de 2023
  • Jesus-Lavando-os-Pes-dos-Discipulos.

(continuação da parte II)

Competição e Cooperação

O pensamento competitivo no decorrer da sua história, com suas crenças limitantes, embasada em ressentimentos, desejos e fantasias recalcadas, tem ditado suas regras, movimentando comportamentos, arquitetando trapaças, golpes, exercitando a soberba, enfim, buscando sempre o instinto de suplantar os semelhantes.

Para Max Weber o capitalismo não é e não surgiu apenas das condições produtivas objetivas, ou seja, da infraestrutura econômica, como preconizam os marxistas, mas ele também se ergueu de uma ideia, de uma forma de pensar, de uma ética competitiva provida pela reforma protestante, o que lhe garantiu a sustentação moral e espiritual, por fim, “surgiu uma ética econômica especificamente burguesa”.

Weber conclui: “Com a consciência de estar na plenitude da graça de Deus e visivelmente por Ele abençoado, o empreendedor burguês, desde que permanecesse dentro dos limites da correção formal, que sua conduta moral estivesse intacta e que não fosse questionável o uso que fazia da riqueza, poderia perseguir seus interesses pecuniários o quanto quisesse, e sentir que estava cumprindo um dever com isso. Além disso, o poder do ascetismo religioso punha lhe à disposição trabalhadores sóbrios, conscienciosos e extraordinariamente ativos, que se agarravam ao seu trabalho como a um propósito de vida determinado por Deus.”

Agradecendo Weber por sua elucidação, vamos voltar para o espírito competitivo que nos inspirou a escrever esse artigo. Na verdade, ser competitivo não tem nada de maligno, satânico ou possuidor do Espirito de Lúcifer, mas pode ser também e sobretudo uma capacidade de alavancar resultados altamente satisfatório, especialmente quando este espírito empreendedor, a busca da eficiência, visam o bem estar social, público ou coletivo. Mas quando levado muito além da ética e respeito mútuo, inspirado no individualismo embasado em recalques e frustrações cristalizadas nas camadas profundas do inconsciente, termina por descambar para a agressividade, a perda da referência ética, levando o sistema econômico, social e político à auto destruição.

Um dos grandes malefícios da competição exacerbada é mesmo a intriga que passa a ser criada entre os competidores em busca de destaque cada vez mais desordenado, onde alguns podem ficar inimigos para sempre ou estabelecer um clima de guerra por pensarem que para a vitória de um é necessária a derrota do outro. Mas a grande pergunta em nosso contexto atual, talvez seja como promover a competitividade de forma saudável sem desejar o sofrimento a dor ou o fim do outro.

No documentário “Observar e Absorver”, Eduardo Marinho conta que, quando adolescente, participou de uma competição de corrida de bicicleta. Muito embora não fosse nenhum profissional, acabou ficando entre os quatro primeiros colocados e quando se deu conta que poderia conquistar o terceiro lugar e acessar o pódio, acelerou e deixou outro menino para trás, desolado, arrasado, chorando no asfalto porque, com a derrota, tinha perdido uma bolsa de estudos.

Eduardo Marinho conta no documentário que ficou péssimo diante daquilo e que, naquele momento, entendeu que não queria isso pra ele. Não queria competir, não queria que a felicidade e as conquistas dele dependessem das infelicidades e das perdas de outras pessoas.

A partir dessa compreensão foi que Marinho deixou tudo para trás aos 19 anos de idade e foi viver na rua. Deixou uma vida promissora, como ele mesmo diz, e foi conhecer o mundo a partir do olhar de quem não tem nada, de quem está fora do jogo, de quem é invisível aos olhos dos competidores, de quem abriu mão de ser o melhor, ser vitorioso e foi viver no abandono das ruas.

É claro que se trata de um exemplo extremo, de um ser humano com uma história extrema. Mas mesmo quem não tem o desapego, a coragem e a compreensão de vida que teve Eduardo Marinho, pode igualmente sofrer e se sentir coagido diante de tanta competição com a visão e espirito auto afirmativo e desafiador de Lúcifer.

A grande questão é que nem todo mundo está preparado para o choque que é descobrir que os seus sonhos, na verdade, podem nunca ter sido seus, mas influenciados por uma crença limitante e que nem todas as pessoas estão preparadas para deixar a competição. Muitas precisam dela até mesmo para se sentirem vivas, vencedoras! Competir pode ser o único sentido da vida para muitas pessoas que desde criança construíram a crença limitante que a vida só terá um verdadeiro sentido se for para GANHAR, para VENCER! Neste sentido o mestre dos mestres nos deixa várias lições para a vida toda: “Se alguém quiser ser o primeiro, seja o último de todos, o servo de todos!” (Mc, 9,35) isto nos basta.

E em João, 13: 4 e 5: “…tomando uma toalha, cingiu-se. Depois deitou água numa bacia, e começou a lavar os pés aos discípulos, e a enxugar-lhos com a toalha com que estava cingido.”

(continua na parte IV)

Lúcifer, a Reforma Protestante e a Teologia da Prosperidade – parte IV

Comentários
  • Maria De Lourdes Ferreira Machado 793 dias atrás

    Muito provocativo. Um convite a uma reflexão.

  • Ana Beatriz 793 dias atrás

    Muito bom texto!!!
    Hoje a educação estimula a competição desde o jardim da infância…acho um absurdo!!!
    Estimulando as crianças desde pequeninos a competir…tem que ser os melhores…e depois de adultos ficam com o ego inflado…e a matrix esta formada…
    Triste realidade…

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