Festas religiosas no Grande Sertão – parte I
O povoado de Serra das Araras, distrito do município de chapada Gaúcha, cravado no coração do enigmático Grande Sertão Veredas, no Norte-noroeste de Minas Gerais, há mais um século recebe anualmente milhares de peregrinos por ocasião da Romaria de Santo Antônio, uma das maiores festas religioso-culturais da região. O nome do povoado tem origem nas cabeceiras dos rios Preto e Pardo, afluentes do Paracatu, onde se formam grandes cânions de até 300 metros de altura onde, nos barrancos rosáceos, as araras fazem os buracos de seus ninhos. A localidade vizinha, Vão dos Buracos, abrigou vários quilombos e foi onde, segundo Guimarães Rosa, “nem o mais destemido dos jagunços ousava ir atrás de seus desafetos”.
No seu passado já foi terra de inconformismo, com diversos movimentos de lutas, motins e revoltas. Basta lembrar, que foi por lá, que viveu no final do século XIX e início do XX, o justiceiro Antônio Dó, tido como o mais temido Jagunço do Alto Médio São Francisco, chamado por Guimarães Rosa em Grande Sertão Veredas de Severo Bandido. No romance do escritor sanfranciscano Petrônio Braz, Antônio Dó aparece como o Robin Wood do sertão, uma mistura de herói e bandido, um Lampião norte-mineiro, que a polícia cansou de perseguir e cujos causos ainda hoje são contados com admiração e assombro pelos sertanejos mais velhos da região. Ainda é possível conhecer, a poucos quilômetros do povoado de Serra das Araras, o tumulo onde o carrasco do sertão em 1929 foi sepultado, depois de ser assassinado por um membro de seu bando. Assim está registrada na memória da população daquela região e vem sendo perpetuada pela oralidade.
Este tão emblemático e misterioso sertão é também hoje, dono de uma cultura religiosa inigualável, palco de grandes festividades religiosas e diversas Romarias. Queremos REFLETIR neste artigo, a relação existente entre a fé, a vida e a espiritualidade do HOMEM do sertão, de modo especial manifestados, durante os festejos dedicados a Santa Cruz, quando inicia o ciclo de festas religiosas que antecede a Grande e centenária Romaria de Santo Antônio, que acaba de celebrar, os seus jubilosos 100 anos de peregrinação do povo sertanejo pelo Grande Sertão Veredas.
A referida festa tem sua origem em meados do século XIV, e vem sendo transmitida de geração em geração. Embora o calendário litúrgico oficial da Igreja Católica tenha transferido a Festa da Exaltação da Santa Cruz para o dia 14 de setembro, aqui se mantém a tradição de celebrá-la no dia 3 de maio. A festa, na formatação que se encontra hoje, é realizada há mais de 30 anos sob a coordenação do Sr. Geraldo da Mota Primo, conhecido na região como Senhor Gera, que por sua vez recebeu-a dos descendentes da família Bito, historicamente conhecidos como fundadores do povoado e acolhedores das Primeiras Romarias de Santa Cruz e Santo Antônio.
As festividades de Santa Cruz acontecem anualmente com início no dia 24 de Abril e com encerramento em 3 de Maio. Durante este período de preparação para os festejos a comunidade se reúne no santuário durante os dias da novena. Em clima de devoção, fazem suas orações e saem em procissão até os pés da Cruz, saudando com rezas, ladainhas, “benditos” antigos, ainda cantados em Latim, e fazem seus pedidos, louvores e agradecimentos a Deus por graças recebidas. Em seguida retornam ao santuário onde romeiros e visitantes são acolhidos já em clima de festa, quando também acontecem as noites de barraquinhas, leilões e muita animação nos dias de quermesse.
A festa propriamente dita acontece entre os dias 2 e 3 de maio. A véspera do dia 3 parece ser dia normal como no restante do mundo, mas naquela pequena localidade é um dia emblemático. Para os moradores do Grande Sertão, é um dia cheio de simbolismo e significado. Um destes momentos de fé encarnada na vida e na realidade do sertanejo, com descontração, entretenimento, causos, prosas, moda de viola e um encontro singular do povo simples com o Sagrado e o Sublime.
Ao amanhecer do dia, todos os sentimentos dos romeiros convergem para o povoado da Serra, onde está o santuário de Santo Antônio, mas onde também está uma CRUZ alta, feita de madeira de cedro resistente ao tempo, exuberante, cravada bem ao meio da rua Principal do povoado.
Comentários
Meus agradecimentos ao meu amigo Milton Tavares por abrir este espaço para podermos mostrar de forma simples o jeito dos povos do grande sertão veredas viver. Meus agradecimentos também ao companheiro José Raimundo Gomes,o Mundinho,Ex-Prefeito de Chapada Gaúcha,filho da comunidade de Ribeirão do Areia,aos arredores da Serra das Araras,Pleno conhecedor da realidade dos povos do sertão, que muito ajudou a construir o texto.