Após ver o noticiário pela TV da chacina que um jovem de nome Welington, da periferia da Cidade do Rio de Janeiro, fez com adolescentes, seus vizinhos e frequentadores da mesma escola em que ele estudou, fico vendo os jornalistas totalmente perdidos ao tentarem explicar ou comentar a tragédia.
Busca-se um culpado fácil que não é encontrado, e aí ficam dando voltas, perdidos no meio do sensacionalismo e da exposição do desespero das mães, pais, irmãos, parentes, vizinhos. As autoridades totalmente perdidas sem saber o que fazer ou o que falar. Da mesma forma as religiões e a mídia, que são os grandes formadores de valores e ideologias. A prova desta desorientação geral foi o resultado inesperado do “Plebiscito do Desarmamento”, realizado em 23 de outubro de 2005, quando o povo brasileiro disse NÃO ao desarmamento uniliateral e incondicional. Talvez neste assunto a opinião da maioria silenciosa possa ser esclarecedora e por isso resolvi dar a minha.
Há alguns dias tive a curiosidade de assistir um “filme de ação”, com Bruce Willys. É totalmente impressionante a indústria da carnificina. Mata-se dezenas, centenas, como se fosse uma brincadeira ou um esporte, a técnica de atirar rápido, ter boa pontaria e bons reflexos, além de contar com uma proteção sobrenatural que todo mocinho precisa. O que é mais importante nesses “filmes de ação” é que os caras depois de matarem adoidado voltam para sua bucólica cidadezinha americana onde vivem em paz com suas famílias, pelo menos até que outra missão de aventura os atraia.
Vocês não acham que estes rebeldes sem causa acabam influenciando jovens sem referência como Welington, que protagonizam estas tragédias em Realengo, Columbine e Virginia Tech? Outro dia na academia onde faço natação, eu estava no vestiário escutando as conversas dos frequentadores dos cursos de artes marciais e fisiculturismo, e percebi a força desta ideologia da violência, difundida tanto no cinema quanto na TV, e principalmente nos vídeo games.
Ao ver o noticiário real fico vendo a facilidade com que os países da OTAN, EUA, França, Inglaterra e outros, têm para bombardear a Líbia, uma situação que, fora o petróleo que lhes interessa, não lhes diz respeito diretamente. Fico pensando: como é fácil decidir matar e mais fácil ainda executar a decisão. Basta que Sarkozy ou Obama autorizem pelo telefone o pedido de um comandante militar para que as frotas marítimas, com Porta-aviões, destróieres, encouraçados e submarinos se desloquem, e que os aviões levantem vôo para despejar toneladas de bombas em cima de alvos nem sempre muito precisos ou claros. É evidente que muitos inocentes, ou seja pessoas que não tinham nada a ver com o assunto, perdem as vidas. Se eu tiver que definir o que é terrorismo, uma palavra tão banalizada pelas superpotências que dominam o mundo através da OTAN e do Conselho de Segurança da ONU, eu diria: “é matar inocentes”. E quem mata mais inocentes que a indústria da guerra chamada OTAN?
De certa feita, quando estava em andamento a Revolução Argelina (1956-1962) contra o colonialismo francês, estando o líder revolucionário Mohamed Ben Bella preso em Paris, e contando com forte apoio da opinião pública mundial, os militares franceses resolveram apresentar o líder rebelde para uma coletiva de imprensa. Quando uma jornalista francesa perguntou a Ben Bella se era verdade que os rebeldes utilizavam barrigas de mulheres grávidas para transportar bombas em Argel, ele respondeu: “Pedimos desculpas por não termos aviões”.
Voltando para hoje, sabemos que o mundo todo ficou chocado com o atirador Welington que deu dezenas de tiros dentro da escola de Realengo, atingiu 24 e matou 12 adolescentes. Pois bem, ninguém pode questionar um bombardeio da OTAN que segundo o bispo de Trípoli matou 40 civis inocentes, ou seja pessoas que não tinham nada a ver com a guerra. Quando nós nos curvamos diante da violência injusta dos poderosos que matam dezenas, centenas, milhares, pelo petróleo que ambicionam, nós estamos escolhendo uma escala de valores que é divulgada pelos Rambos, pelos Arnold Schwarzenegger, considerados diretores e atores de grande sucesso em Hollywood. Este último foi eleito por duas vezes governador da Califórnia, um dos estados mais importantes dos Estados Unidos, e foi nomeado duas vezes pela influente revista “Time” como uma das cem pessoas que ajudaram a moldar o mundo. Certamente que no fundo do inconsciente do jovem de Realengo os peritos irão encontrar as digitais do Schwarzenegger.
Causas psicológicas à parte, como evitar que novas tragédias como a do Realengo ocorram? Me lembro que em um atentado em Tel Aviv em que um homem entrou em um mercado atirando a esmo, a matança só foi contida quando um civil armado o alvejou e matou. Da mesma forma em Realengo foi uma pessoa armada que alvejou o atirador e certamente salvou muitas outras vidas. Não interessa se essa pessoa armada era civil ou policial, se estava ou não de serviço naquele momento. O que interessa é que alguém com valores de Justiça se valeu da Violência para deter o agressor e salvar vidas humanas.
Alguém, cujo nome não me recordo teve a imensa lucidez e coragem de dizer que a verdadeira Não Violência só será conquistada quando os justos forem violentos e monopolizarem o uso das armas. Se os justos desconhecerem a existência das armas, estas cairão na mão dos injustos. É preciso que os justos sejam violentos para conter a violência dos injustos.
Se quisermos um mundo de Justiça e Não-violência é preciso que nos transformemos em pessoas justas interiormente, mas não podemos desconhecer a existência das armas e da violência, precisamos garantir o uso Justo e Não-violento delas, e isto vale tanto para indivíduos quanto para os países.
Comentários
Milton, penso que todas essas tragédias que vem ocorrendo no Brasil (e no mundo) sejam por falta de AMOR. A falta de amor gera desrespeito, isolamento, falta de zelo, carencia de educação, cultura, solidariedade e, principalmente, desagregação familiar. Quando o AMOR sai não se enxerga Deus… E aí tudo de ruim começa a reinar…
boa matéria,
abs, Eny
Milton,
Muito interessante e instigante seu texto.
Embora possa não parecer sou adepto da Não violência, mesmo qdo muitas das vezes fazem de tudo para nos tornar violentos.
Jamais permiti ou incentivei meus filhos (03) a entrar para academias de “defesa pessoal”, pois pode até ser defesa mas gera no ser humano um desejo de ataque há isso gera.
Vivemos um cotidiano onde todo tipo de violência é perpetrado nas diferentes situações e provável que alguém sem estrutura ou mesmo se sentindo violentado, como parece ser o caso do Realengo, possa decidir por se rebelar com uso dessa mesma violência.
Abraços
Catraca
Milton, boa Noite,
estou ainda em estado de choque, talvez tão muda quanto os educadores e o quadro de
funcionários daquela escola que até o momento não conseguiram se expressar.
Sei que é momento para aprender.
Wellington estudou naquela escola o ensino fundamental todo, 8 anos.
Quem sabia dos seus sonhos, dos seus heróis, da sua dor, das suas alegrias.
o menino que não incomodava.
Quantos meninos iguais a ele existem por ai? Como evitar que outras tragédias se propaguem?
Assim que eu consegui parar de chorar lhe mando minha opinião.
um abraço
Suzelita
Falar em arma é falar em violência. Usar uma arma é ser violento. O homem que atirou nos jovens tinha que ser parado. Uma ação violenta, mas necessária. No momento não se trata de algo justo ou injusto. Não há tempo para fazer este tipo de julgamento. O homem tinha que ser abatido e pronto. Depois, é claro, o desespero e a desorientação que se seguem a estas tragédias.
Falar em não-violência é falar em algo ideal, o que não é a realidade. Para compreender melhor esta questão, temos que focar no fato, a violência, e não no ideal, a não-violência. E para isso, é necessário, primeiro, investigar essa violência em nossas ações e verificar como contribuímos para toda esta violência que presenciamos em todo o mundo.
Você escreve que precisamos nos transformar em pessoas justas interiormente. Sim, sem dúvida. Mas o que fazer para isso sair do campo das boas idéias?
Olá Milton,
Li seu texto e acho que você coloca importantes questões e situa a violência de forma bem ampla.
Entretanto não consegui entender quando você cita e concorda com a seguinte afirmação:”Alguém, cujo nome não me recordo teve a imensa lucidez e coragem de dizer que a verdadeira Não Violência só será conquistada quando os justos forem violentos e monopolizarem o uso das armas. Se os justos desconhecerem a existência das armas, estas cairão na mão dos injustos. É preciso que os justos sejam violentos para conter a violência dos injustos.”
Acho que esta idéia é muito confusa. Quem é que define quem são os justos e quem são os injustos? Você leu a carta que este psicopata escreveu sobre os puros e impuros? É uma auto definição que me permite ser violenta porque sou justa? Ser violento e ser justo na minha compreensão são dois atributos incompatíveis. Uma das causas da violência ou uma forma de justificá-la é esta: a minha ideologia, a minha religião, a minha moral e valores (que é a mais justa!?) e não tolera a dos outros.
Neste portal, o editor publicou trechos do pensamento de Gandhi e neste momento vale recordá-los:
“Nunca perca a fé na humanidade, pois ela é como um oceano. Só porque existem algumas gotas de água suja nele, não quer dizer que ele esteja sujo por completo.”
“Como defender uma civilização que somente o é de nome, já que representam o culto da brutalidade que existe em nós, o culto da matéria?”
“A não-violência e a covardia não combinam. Posso imaginar um homem armado até os dentes que no fundo é um covarde. A posse de armas insinua um elemento de medo, se não mesmo de covardia. Mas a verdadeira não-violência é uma impossibilidade sem a posse de um destemor inflexível.”
“A não-violência nunca deve ser usada como um escudo para a covardia. É uma arma para os bravos.”
“De olho por olho e dente por dente o mundo acabará cego e sem dentes.
“Devemos expandir o círculo do nosso amor até que ele englobe todo o nosso bairro; do bairro, por sua vez, deve desdobrar-se para toda a cidade; da cidade para o estado, e assim sucessivamente até o objeto do nosso amor incluir todo o universo.”
“O amor é a força mais abstrata, e também a mais potente que há no mundo.”
“Só podemos vencer o adversário com o amor, nunca com o ódio.”