Que futuro estamos construindo?

Publicado por Manfredo Rosa 15 de fevereiro de 2018

que futuro estamos construindo

A prática, a realidade, dá razão de sobra para nos sentirmos assim. Colossal é a lista de misérias que nos afligem. Em poucos lugares se descortina tão claramente a incompatibilidade entre o sistema social contemporâneo e a sobrevivência da espécie humana.

A teoria, sempre em crise, também parece não ajudar muito na busca de algum farol. De fato. Acabo de ler o livro “A refundação do Brasil”, de Luiz de Souza Lima, cientista político. O texto desenvolve e amplia, com propriedade, a ideia do “Brasil Empresa”, proposta anteriormente por Darcy Ribeiro e outros autores. Segundo essa percepção, nascemos sem um pacto, sem um contrato social construído pela população, pois, muito embora tenha sido “a partir do que de mais moderno havia então… puxado pelo iluminismo e… por conhecimentos de vanguarda, fomos fundados”, para trabalhar atendendo interesses ditados lá fora. A “Empresa Brasil” foi concebida “em feição nova na época, e já internacional na sua essência”, “imaginada, projetada e construída,… de forma original, exclusiva,… com fins exclusivamente mercantis”, “… o Brasil foi sempre um negócio mundial, construído pelo setor privado mais dinâmico daquela conjuntura…” E continua assim até os tempos atuais.

Caminhando por essa tese, em alguns pontos até tendendo ao “porque-me-ufano”, o autor exalta nossa cultura, única, excelente, “reconhecida e admirada hoje no mundo todo”, celebrando valores como, a “vocação democrática como parte inseparável dos nossos sonhos”, o “pendor para a transformação, no impulso próprio para postular mudanças”, a capacidade de inclusão e, também, essa nossa tal proverbial alegria, tão incontida. Para Souza Lima, valendo-se desses traços tão ricos, esse “povo novo”, o povo brasileiro, poderá conduzir o país rumo a uma nova sociedade, que o autor nomeia de “biocentrada”. Para ele, a cultura brasileira é a força que nos empurrará para o futuro, “o Brasil será culturalmente construído por seu povo e terá a fisionomia dos seus sonhos”… “mais próxima do seu jeito de ser.”

O livro incorre em problemas. E nem poderia ser diferente, pois estabelece uma grande incoerência. Se o Brasil é uma empresa, como, de fato, parece que é, então não pode dispor de uma cultura sua. Uma empresa, por maior que seja, não monta cultura própria. Não conta com um passado coletivo, com uma história comum autêntica. No máximo constrói uma subcultura, restrita e encaixotada nos valores e crenças praticados pelo meio social no qual ela está inserida.

Então, o nosso sorriso pode ser apreciado psicologicamente, mas são os rios de Coca Cola que carreiam desenvolvimento e pesquisa para fora do país. Nossa vocação democrática se desfaz quando se atreve tocar em interesses que não são os daqui. Nosso lastro moral se apequena diante do “jeitinho” trazido da Ibéria na bagagem egoísta das caravelas, pois, afinal, nosso sentimento é brasileiro, mas a imaginação é estrangeira. O impulso para a mudança, se há, tem se manifestado principalmente para aprimorar e aprofundar a corrupção. A história mostra bem a demora, esse “vamos ver”, “talvez”, “quem sabe”, para soltar o grito de independência, para abolir a escravatura etc. Nossa cordialidade é muito bem vinda, mas é o consumismo que gira a máquina e põe comida na mesa. Nosso sonho é interrompido pela realidade de não podermos comprar nem ao menos um liquidificador sem remeter lucro para o exterior e gerar conhecimento alhures. Nossa alegria, levada ao extremo nessa semana de “ilusão”, da “epidemia chamada carnaval”, tem pouca duração e “se acaba na quarta feira”, essa euforia exoticamente invejada, talvez represente somente uma forma de fuga do terreno desnivelado de violência, de crueldade e de injustiça, no qual vamos sobrevivendo.

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