Planeja-me ou devoro-te!

Publicado por José Alves 13 de novembro de 2024
esfinge

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Henri Lefebvre (1901-1991), foi um importante filósofo e sociólogo francês, que se ocupou do estudo espacial ou do território. Um de seus mais importantes ensinamentos era de que, o que mantém um território coeso sob um mesmo governo é a intensidade do fluxo de mercadorias, pessoas e idéias em seu interior. Pois bem, quem vive em Minas Gerais de vez em quando ouve a notícia de que algum projeto foi apresentado no Congresso Nacional no sentido da emancipação de uma parte do território do estado. O movimento mais persistente, que de quando em quando é retomado, é o da formação do Estado do Triângulo, que teria por capital a pujante Uberlândia. O discurso de que a região é rica e carrega as outras nas costas, deixando seus pobres ao desamparo é o mais usado internamente para popularizar o movimento. Mas se prestarmos atenção em Lefebvre nós concluiremos que tais iniciativas são deflagradas por um fato muito simples, que só as autoridades mineiras, chamadas pelos “triangulistas” de “políticos do centro de Minas” persistem em não perceber: a fragilidade daqueles fluxos entre a capital e aquela importantíssima região do estado.

As pessoas comuns que têm a oportunidade de participar desse magro vai-vém percebem claramente que a região do Triângulo Mineiro é rica e próspera em sua agricultura, pecuária, comércio atacadista, sendo certamente nesse último setor o principal centro do Brasil, o transporte de cargas que lhe é complementar, além da existência de 15 hidrelétricas de grande porte. Pois bem, essa região mantém laços de toda ordem muito mais intensivos com São Paulo que com Belo Horizonte. Veja-se o número de passageiros embarcados por via aérea e rodoviária, veja-se também os jornais diários das duas metrópoles que ali são vendidos e constatar-se-á que Uberlândia é muito mais paulista que mineira. No noticiário da TV não existe um “bloco” de notícias da capital do estado, existe o nacional e o local. Ali não se encontram torcedores do galo e da raposa, mas sãopaulinos, palmeirenses e corintianos. O lúdico espelha o real.

Estes fatos são o reflexo da situação atual, não a sua causa. Se consideramos que o peso relativo do estado na federação é importante para a defesa de seus interesses, certamente sua divisão levará a seu enfraquecimento. Veja-se no que foi transformada a poderosa União Soviética, superpotência que fazia tremer o mundo com seus mísseis intercontinentais exibidos todos os anos na Praça Vermelha, e agora, depois de implodida, quando vemos uma Rússia miserável, vítima da maior doença do capitalismo moderno, a mafialização total de sua economia e sua política.

Você que leu até aqui pergunta agora: pois bem, identificada a manifestação do problema, onde estão suas causas? Se a explicação do fluxo estiver certa, o que fazer para incrementá-lo? Não basta aumentar os horários de vôos ou as estradas disponíveis se não há passageiros ou mercadorias. A única forma de investir nesse fluxo que consigo imaginar é investir na região intermediária que é o chamado Alto São Francisco. A região vizinha do Triângulo na direção de São Paulo é simplesmente o Norte de São Paulo cujo principal pólo é Ribeirão Preto. E do lado de Belo Horizonte é simplesmente uma região estagnada cuja população atual é inferior à de 1940, uma região que exporta o que tem de melhor, que são seus filhos, que estudam principalmente em Belo Horizonte e depois de formados não têm a opção de voltar para trabalhar, apenas para passear.

Sem querer desviar a atenção para os culpados, embora eles sempre existam, é oportuno lembrar que na época dos governos militares, quando os governadores nem eleitos eram, tanto o governo federal quanto os estaduais contavam com uma estrutura de planejamento a longo prazo, e tanto o Ministério quanto as Secretarias Estaduais de Planejamento eram de longe, os órgãos mais importantes de seus governos. Enquanto as secretarias de fazenda e administração eram órgãos executores, de emprego tático, aqueles eram estratégicos, os que davam o rumo, fazendo o orçamento sob a luz dos Planos Plurianuais. A partir do tão bem lembrado, e em boa hora, Consenso de Washington, as economias foram entregues para os mercados e o Ministério do Planejamento virou Ministério de Orçamento e Gestão. E alguns estados importaram esse modelo em que a gestão virou o objetivo em si do governo, gestão essa traduzida em retirar vantagens da grande massa de servidores da parte inferior da pirâmide salarial.

Bons tempos aqueles em que, quem andava pelos corredores da Fundação João Pinheiro, no centro de Belo Horizonte, era guiado por placas que diziam: “Plano de Desenvolvimento do Sul de Minas”, e outra: “Planoroeste”, e mais outra “Plano de Desenvolvimento do Rio Doce”. Bons tempos para o planejamento e para Minas Gerais quando, no final dos anos 70, um grande nacionalista, aliado do regime autoritário mas íntegro, o então governador Aureliano Chaves convidou o Doutor José Israel Vargas para assumir a recém-criada Secretaria de Ciência e Tecnologia.

O Doutor José Israel foi um dos primeiros diretores do Instituto de Pesquisas Radioativas da UFMG (atualmente, Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear) – primeira instituição brasileira a dedicar-se inteiramente à área nuclear. Depois do golpe militar de 1964 havia ido para a França onde ajudou a desenvolver o Centro de Estudos Nucleares de Grenoble. O seu principal legado como secretário foi criar o Centro Tecnológico de Minas Gerais – CETEC-MG com o propósito de resgatar a cultura de produção de conhecimento tecnológico no estado, órgão que hoje infelizmente se limita a prestar serviços pontuais para empresas privadas.

À guisa de conclusão, algum governante pode estar correndo o risco de se tornar o Gorbatchev mineiro, ao ver o território do estado implodir sob seu governo. O melhor que pode ser feito é encarar o olhar enigmático da esfinge, que, calma e amiga, traduz a alma de Minas Gerais: “Planeja-me ou devoro-te!”.

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