Há anos, ou melhor, há séculos que os resíduos gerados em nossas casas com algum valor econômico são objeto de cobiça por sucateiros, coletores e desempregados. Já foram comprados como ferro-velho, as garrafas de vidro, o cobre, entre outros.
Mais recentemente, nas últimas décadas, com a o agudização da crise econômica e o desemprego, estes profissionais ficaram mais numerosos, enquanto a diversidade e a quantidade de materiais recicláveis aumentou de forma vertiginosa. Estima-se que sejam centenas de milhares de catadores em todo o Brasil. Trabalham de forma autônoma ou organizada, com freqüência que varia de esporádica (nos momentos de maiores necessidades financeiras), eventual, ou de forma regular e em alguns casos até institucionalmente.
O que muda com a edição da Lei 11.445 tão sonhada pelos sanitaristas e pelo Movimento Nacional de Materiais Recicláveis? O seu artigo 57 altera o inciso XXVII do art. 24 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, passando a vigorar com a seguinte redação: “É dispensável a licitação na contratação da coleta, processamento e comercialização de resíduos sólidos urbanos recicláveis ou reutilizáveis, em áreas com sistema de coleta seletiva de lixo, efetuados por associações ou cooperativas formadas exclusivamente por pessoas físicas de baixa renda reconhecidas pelo poder público como catadores de materiais recicláveis, com o uso de equipamentos compatíveis com as normas técnicas, ambientais e de saúde pública.”
Pois bem. Reconhecido o caráter de associação ou cooperativa de catadores pelo próprio poder público, pode-se proceder à contratação da mesma sem necessidade de licitação. No entanto deve ser firmado um contrato de prestação de serviços que preverá uma remuneração para os mesmos. A receita auferida na venda dos produtos recicláveis deve ser uma complementação da renda e, sobretudo um estímulo à produtividade desses trabalhadores.
Ainda assim o artigo 57 prevê o uso de “equipamentos compatíveis com as normas técnicas, ambientais e de saúde pública”. O esforço físico, psicológico e a lida diária no trânsito em muitas situações perigoso, nos fazem refletir sobre que tipo de equipamento de coleta deverá ser o adequado para o processo de coleta seletiva domiciliar. A tração humana deve ser rechaçada, da mesma forma que a Associação de Proteção dos Animais protestou contra o uso das mulas chamadas Domitila e Dona Beja que faziam a coleta de lixo nas favelas Jacaré e Jacarezinho no Rio de Janeiro na década de 90. A humanização do trabalho dos profissionais da coleta seletiva deve atingir o nível de exigência dos trabalhadores da coleta convencional que até bem pouco tempo eram vistos – e ainda o são em alguns municípios brasileiros – trabalhando de sandálias de borracha abertas, sem uniformes (importante equipamento de Segurança Individual) e em condições sanitárias indignas.
Há que se rever forma e conteúdo, isto é, não empregar essa força de trabalho – em muitos casos especializada – como se fosse um favor ou uma ajuda ao invés de uma relação profissional, institucional, contratual, e com os condicionantes necessários à adequada coleta seletiva, com regularidade, pontualidade, eficácia e eficiência como se espera da prestação do serviço público.
Comentários
Kátia, aqui no oeste do Paraná a Itaipu binacional doou carrinhos para os catadores. Funcionam na base da tração humana mesmo. Assisti a um evento de doação destes carrinhos em Santa Helena-PR há uns dois anos e hoje vejo os carrinhos por ai. Talvez seja inviável num curto prazo trocar toda a “frota”… mas uma empresa do porte da Itaipu poderia ter doado uns carrinhos elétricos ou movidos a gás. Ou não?