A Política de Resíduos, Intenção e Gesto

Publicado por Heliana Kátia Tavares Campos 3 de setembro de 2010

“Sapo não pula por boniteza, mas porém por precisão!”, Guimarães Rosa.

O príncipe a galope em seu cavalo avança na direção da feiticeira que com um olhar fulminante o transforma em um sapo. Daí para desencantá-lo…..

Um salto de três décadas em dois anos. Isto mesmo! No manejo dos resíduos sólidos três décadas é o que nos separa da maioria dos países da Comunidade Européia, sendo uns 25 anos de Portugal. Dois anos é o período previsto na lei de resíduos para eliminar lixões, ou melhor, um ano e onze meses se considerarmos que já decorreu um mês de sua aprovação. Para darmos este salto dependemos exatamente do que e de quem, meu caro Watson?

Com a promulgação da Lei 12.305/2010 em 2 de agosto passado, ficamos aptos a dar um belo salto em direção à gestão sustentável dos resíduos sólidos e a entrarmos efetivamente na modernidade. Discussões aqui e acolá, interesses nobres de cunho ambiental e social de um lado, econômicos de viés eminentemente capitalista de outro, num puxa e estica, estica e puxa, mas finalmente saiu! Foi promulgada a nova lei de resíduos com o farol apontado pra frente, sem deixar mágoas ou rancores, pelo menos em público.

Em 19 anos de muito trabalho, desejos, vontades e esforços, período que se inicia com a primeira proposta de lei nacional que regulamentaria o manejo dos resíduos sólidos, foram apresentados nada mais nada menos que 148 projetos com olhares bastante distintos. No entanto, não há que lamentar a não aprovação das versões anteriores. A lei sancionada aperfeiçoou as propostas anteriores e se inspirou no que há de mais moderno nos países desenvolvidos. Aproveitou portanto acertos e erros anteriormente cometidos e chegou bastante madura ao dia 2 de agosto para ser promulgada.

Propugna a integração setorial, a responsabilidade compartilhada, a gestão regionalizada, distingue o que é resíduo e o que é rejeito, prioriza a forma de manejo e tratamento, privilegia a geração de renda para os catadores, a recuperação dos materiais recicláveis, elege os resíduos da logística reversa – explica que bicho é esse, e por aí vai….

Cada pessoa, família, empresa, estabelecimento comercial, industrial, de ensino, de lazer, etc, qualquer ser vivente, bípede com teleencéfalo desenvolvido e polegar opositor (lembrando Jorge Furtado no indispensável curta-metragem Ilha das Flores) passa a ter responsabilidade pelo que gera como pessoa física ou jurídica.

E então essa nova situação trará alívio para o poder público municipal? Ao contrário a responsabilidade por fazer a coisa toda funcionar aumenta e muito. Cada gerador não-domiciliar há que fazer um plano de manejo dos resíduos. E quem solicitará, estudará, aprovará, pedirá adaptações, acompanhará o funcionamento e fiscalizará o cumprimento de cada um desses planos? Nada mais, nada menos que o próprio poder público municipal. Aquele mesmo que na maioria dos municípios brasileiros ainda arremessa os resíduos no solo pátrio sem cerimônias, às vezes com o cuidado para que estes fiquem ligeiramente escondidos das vistas dos cidadãos para livremente poluírem sem serem criticados.

Para solução dos problemas o instrumento legal agora existe. Também já está disponível desde 2002 o Sistema Nacional de Informações – ainda que não universalizado. A organização dos catadores de materiais recicláveis nunca foi tão vigorosa sendo referência não só para o continente sul americano como para outros países mundo afora. O governo federal vem dando exemplo e antecipando há algum tempo o conteúdo da lei e suas diretrizes, incentivando a elaboração pelos Estados de Planos de Regionalização dos Serviços Públicos de Manejo dos Resíduos Sólidos e a formação de consórcios públicos. Vários Estados brasileiros já aprovaram a legislação estadual, algumas em harmonia com os conceitos previstos na lei nacional. Parafraseando aquele que sancionou a lei e grande responsável pelo atendimento das reivindicações dos catadores, o presidente Lula, pela primeira vez na história deste país a quantidade de lixo lançada em lixões não supera aquela disposta em aterros sanitários e nos aterros controlados, de acordo com a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB) do IBGE. De acordo com as PNSB anteriores, em 1989 o que ia para lixões correspondia a 88% do lixo coletado, em 2000, a 72 % e na pesquisa de 2008, publicada neste mês de agosto, o valor caiu para 50,8%.

Então está tudo muito bem, está tudo muito bom, como disse o roqueiro Evandro Mesquita, mas o que se precisa saber é como dar o salto do sapo. E francamente trata-se de um saltão.

Conforme apontado na pesquisa, 28% do lixo que ia para os lixões em 2000 foi para aterros sanitários ou controlados em 2008. No entanto a normativa brasileira concedeu dois anos a partir de 2 de agosto de 2010 de prazo para se erradicar os lixões e ainda enviar a aterros somente os rejeitos após processo de separação, triagem e reinserção dos resíduos no processo industrial. Como atingir essa meta até de agosto de 2012? E ainda mais se considerarmos que grande parte destes lixões está em municípios de pequeno e médio portes, exatamente aqueles que enfrentam maiores problemas financeiros e de gestão.

Como se sabe pela mitologia brasileira o pulo do sapo ativa a curiosidade e a imaginação. Estamos em processo amplo de debates, para a construção do Regulamento da Lei e esse deve matar parte da curiosidade sobre o que temos que fazer. Agora, mais que nunca precisamos da imaginação para saber COMO fazer. Vai aqui uma colaboração para essa discussão. A capacitação profissional, a formação de recursos humanos, o aperfeiçoamento e o desenvolvimento institucional dos serviços públicos devem ser priorizados. Há que se investir, e não é pouco, na gestão dos recursos humanos de forma abrangente, integral e permanente. Há que se ter uma referência nacional neste setor. É necessária a criação de um Instituto Nacional de Resíduos Sólidos, a inserção de disciplinas nos cursos de graduação e pós graduação, de curta, média e longa duração, à distância e presenciais, e etc, etc!

Preparar pessoal técnico especializado em todos os municípios e nos consórcios públicos, todos sabemos é apenas um pequeno passo, mas, com certeza é condicionante básico para impulsionar o sapo que precisa pular. E desencantar…………………………

Veja os cuidados com o lixo hospitalar em Guarulhos-SP:

Comentários
  • Antonio – Sabará – MG 5185 dias atrás

    Sou leigo no assunto, mas preocupado com o mesmo devido a importancia crescente que o lixo vem representando.
    Queria saber se a nova lei prevê cobrança de impostos das empresas que fazem os produtos dificeis de serem reciclados. Penso que se as empresas pagassem o custo da reciclagem que todas iriam colabolar fazendo um produto de reciclagem mais barata. Por exemplo, eu fico indignado quando vejo a facilidade que vendem a cerveja long neck, em garrafas sem retorno. Fiquei sabendo que essas garrafas são trituradas e que o preço do vidro triturado é 2 reais o quilo. Acho que a empresa produtora e o consumidor deviam pagar um imposto para o poder publico remunerar o catador melhor e pagar o custo completo da reciclagem.

  • Maria Helena Ribeiro/ Guarulhos 5186 dias atrás

    Kátia,
    Você, como sempre, muito brilhante! Parabéns! Muito pertinente a sua reflexão.
    Os 4 anos passam muito rápido e o “sapo terá de dar realmente um saltão”
    Um grande abraço
    Maria Helena Ribeiro

  • izabel chiodi/Contagem/MG 5186 dias atrás

    Kátia, minha cara,

    É isto. Dar o salto é muuuuuuuuito difícil, desencantar o sapo então, nossa!
    Belo texto, oportunas reflexões, precisos desafios para todos nós apontados com maestria.
    Estamos, no saneamento como um todo, incluindo resíduos, avançando: temos política federal, planos, consórcios, recursos financeiros… falta, disse você muito bem, qualificação e capacitação, de garis a gestores, municipais/estaduais e federais. Sem esse avanço, com um olhar integrado e integral, talvez não consigamos o salto, quiçá o desencanto.
    Abraços
    Bel

  • Leo Heller 5187 dias atrás

    Cara Katia,
    Ótima e bem estruturada reflexão. Como você salienta, na Lei é apenas um passo, embora essencial. Precisaremos de muito mais do que isto, impulsionando políticas consistentes, planejamento, capacitação. Muito mais que a tecnologia pode propiciar. E devemos nos lembrar do necessário posicionamento da política de resíduos sólidos no contexto da política de saneamento. Afinal, se os especialistas tendem a separar e fragmentar o mundo, os municípios e os cidadãos vivem o ambiente e os riscos a ele associados em sua integralidade.
    Forte abraço,
    Léo

  • João Bosco Senra 5187 dias atrás

    Kátia

    Parabéns pelo artigo e pelas reflexões que traz.
    Sempre lúcida e com muita competência fruto de uma experiência ímpar e de uma dedicação à causa invejável.A boa inveja.Alterar o caminho do “lixo” é sobretudo alterar o caminho das idéias e compromissos.

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