Canabis, recurso natural renovável – parte X

Publicado por Felipe Arellano 19 de dezembro de 2024
Rudolf Diesel

Rudolf Diesel
Rudolf Diesel

Continuação da parte IX: https://www.metro.org.br/felipe-arellano/canabis-recurso-natural-renovavel-parte-ix/

Hoje, normalmente se dizer “diesel” é sinônimo de dizer petróleo ou seu derivado. Ironicamente, o inventor do motor diesel, o engenheiro franco-alemão Rudolf Diesel, originalmente projetou seu motor para funcionar com óleos vegetais devido ao menor custo de produção em comparação com o petróleo, o que o tornava mais acessível ao público em geral. Rudolf Diesel colocou seu motor em operação pela 1ª vez, abastecendo-o com óleo de amendoim, em 10 de agosto de 1893, sendo esta data celebrada como o Dia Internacional do Biodiesel.

Registrou a patente de seu motor-reator em 23 de fevereiro de 1897, desenvolvido para trabalhar com óleo de origem vegetal. Entretanto, em sua homenagem, foi dado ao produto oleoso mais abundante obtido na primeira fase de refino do petróleo bruto o nome de diesel. Isso não quer dizer que todos os motores a injeção sejam obrigados a funcionar com óleo diesel, desde que regulem a pressão no sistema de injeção, um motor pode passar a funcionar com qualquer tipo de óleo, tanto pode ser de origem vegetal, como óleo de amendoim, ou animal, como é o caso da gordura de porco.

Em 1900, ele recebeu um prêmio em Paris pelo invento de seu motor que funcionava unicamente com óleo de amendoim.

Diesel acreditava firmemente na importância dos óleos vegetais como futuros substitutos do petróleo e do carvão. Em um discurso de 1912, disse: “o uso de óleos vegetais para combustíveis de motor pode parecer insignificante hoje em dia, mas tais óleos podem se tornar, com o tempo, tão importantes quanto o petróleo e os produtos derivados do alcatrão”.

Algumas décadas depois, em 1941, Henry Ford apresentou um inovador protótipo de automóvel cuja carroceria foi fabricada com fibras e resinas vegetais como cânhamo, soja e palha de trigo. A carroceria era mais leve e resistente que as de metal. De fato, foi filmada uma demonstração onde o próprio Ford golpeava com um machado o veículo para comprovar sua dureza. Um automóvel mais leve requer menos energia para se mover, tornando-se mais eficiente do que as carrocerias de metal que costumam ser utilizadas até hoje. O combustível do motor era etanol de cânhamo.

Logicamente, Diesel e Ford estavam buscando o que lhes parecia mais inteligente: combinar eficiência e baixos custos para a produção em massa de motores e automóveis. Reduzir a utilização de recursos escassos como petróleo e metal com o uso de matéria-prima vegetal amplamente disponível parecia uma excelente ideia, mas obviamente as indústrias petrolífera e mineradora não gostavam nada da ideia.

Se os motores de óleos vegetais tivessem se massificado, isso teria afetado diretamente os negócios dos petroleiros. A utilização em grande escala de fibras e resinas vegetais para a construção de carrocerias em escala global teria afetado também os lucros de muitas empresas mineradoras. Corporações com grandes capitais envolvidos não queriam nem querem que seus produtos sejam substituídos por outros mais ecológicos e econômicos por uma razão bastante óbvia: afeta o lucro de suas empresas.

É muito provável que tenham exercido todo seu poder para garantir que seus produtos fossem considerados indispensáveis para desenvolver a indústria automobilística durante o século XX e gerar uma narrativa que não questionasse a suposta necessidade de recursos naturais não renováveis. Digo suposta necessidade porque, como expliquei anteriormente, existiam alternativas mais baratas, ecológicas e acessíveis, no sentido de que claramente é muito mais fácil e barato cultivar, colher e processar espécies vegetais do que extrair e processar metais ou petróleo.

O protótipo do carro de Ford e seus planos foram destruídos sem nenhuma explicação.

O gênio Rudolf Diesel morreu cheio de dívidas, em condições bastante suspeitas quando atravessava de barco o Canal da Mancha. Encontraram-no flutuando no mar.
Na noite de 29 de setembro de 1913, embarcou no barco a vapor SS Dresden, em Antuérpia, Bélgica, rumo a Londres, Reino Unido.

Após negociar o seu invento durante a travessia do Canal da Mancha, o inventor desaparece em circunstâncias que jamais foram esclarecidas. Vários boatos sobre seu desaparecimento e morte circularam, e a imprensa deu grande cobertura ao fato. Muitas suspeitas foram levantadas, acidente, suicídio, homicídio.

Duas semanas depois, um barco encontrou um cadáver próximo da costa belga. Roupas e objetos foram recolhidos e o corpo foi novamente lançado ao mar, procedimento normal da época. A 13 de outubro, Eugen Diesel reconheceu tais pertences como sendo de seu pai.

Pessoalmente, suponho que Henry Ford cedeu a pressões externas para poder seguir adiante com sua bem-sucedida companhia, ao contrário de Diesel, que tinha ideias mais revolucionárias, plasmadas em seu livro “Solidarismus” e que, embora custe acreditar, só vendeu duzentos exemplares. Nele propôs um modelo econômico mais justo e solidário que buscava superar tanto o capitalismo quanto o socialismo. Suas ideias se centravam na criação de sociedades cooperativas que combinassem o interesse particular com o interesse coletivo, promovendo um sistema onde os benefícios fossem distribuídos de maneira mais equitativa entre os trabalhadores e os membros da sociedade, ou seja, um sistema mais descentralizado.

Sua visão não foi bem recebida pelas petroleiras e banqueiros de sua época. Se Diesel se suicidou ou foi assassinado, acho que nunca vamos saber. O que sabemos é que houve conflitos de interesse das indústrias que teriam sido prejudicadas com a massificação de produtos fabricados a partir de vegetais, como ilustramos no exemplo da indústria automobilística.

O cânhamo foi utilizado durante milhares de anos e foi crucial para o desenvolvimento da humanidade. Foi usado na fabricação de cordas e velas essenciais para a navegação e o comércio. Suas fibras têxteis forneceram materiais duráveis para roupas e outros produtos. As sementes, ricas em nutrientes, serviram como um ótimo alimento para muitas culturas e suas flores femininas como remédio para tratar diversas doenças.

Para entender por que um recurso tão valioso e versátil foi proibido, podemos pensar em uma sequência que começa com conflitos de interesse das grandes indústrias que se beneficiavam ao tirar da competição o cânhamo como matéria-prima. Isso promoveu uma campanha de desinformação que gerou uma percepção negativa sobre a canabis a nível mundial que dura quase um século. Essa percepção negativa é responsável pela grande dificuldade existente hoje em dia para debater esse tema.

Segundo meu ponto de vista, fomos enganados e programados mentalmente durante décadas para ver a planta de canabis como uma ameaça à sociedade, sendo que é uma das plantas mais úteis e nobres do planeta. Este exemplo deve nos servir para questionar as possíveis falsas narrativas que podem ser implantadas na sociedade através de diferentes estruturas corrompidas pelo poder econômico e fazer parecer um recurso natural extremamente valioso como prejudicial, embora também possa funcionar ao contrário, ou seja, podem nos fazer acreditar que produtos prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente são benéficos.

Sei que falar sobre solidariedade e cooperativismo nestes tempos de egoísmo crônico não está na moda, mas penso que se Rudolf Diesel teve a capacidade de inventar um motor que tem sido utilizado durante mais de cem anos, vale a pena prestar atenção às suas ideias sobre organização social, porque evidentemente o homem não era nada bobo. Que triste que dizer diesel hoje tenha se tornado sinônimo de dizer petróleo!

(Continua Na parte XI)

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