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(continuação da parte V)
A canabis como “porta de entrada” para outras drogas é um dos muitos mitos que foram criados sobre a planta. Com qualquer tipo de droga existem diferentes fatores que influenciam a forma como o consumo se manifesta. O ambiente social, a genética, o custo e a facilidade de acesso são determinantes no desenvolvimento de qualquer tipo de progressão do uso ou abuso de qualquer substância.
As motivações para usar qualquer droga são diferentes de pessoa para pessoa. Se para um adolescente a motivação para consumir álcool ou fumar um cigarro de canabis pode ser a validação do seu grupo de amigos, para um artista pode significar a busca por estados de consciência que facilitem processos criativos. Porque alguém poderia acabar usando drogas pesadas ou perigosas é um tema bastante complexo, mas não há nada que indique que uma substância o levará a querer consumir outra por si só.
É óbvio que frequentar certos ambientes pode expor as pessoas, umas mais outras menos, a consumir drogas, mas não há uma regra que se aplique a “se você consome a droga A, buscará a droga B”.
De fato, se pensarmos de maneira inversa à teoria da “porta de entrada”, um viciado em drogas pesadas como heroína ou cocaína poderia perfeitamente usar a canabis como “porta de saída”, buscando reduzir danos à sua saúde, idealmente com acompanhamento terapêutico profissional. Se vemos a canabis como um fármaco com diferentes vias de administração, isso é absolutamente possível, desde que realizado por médicos ou terapeutas devidamente capacitados para acompanhar o viciado no processo.
Por outro lado, o cultivo de canabis pode ser uma “porta de entrada” para a agricultura em muitos casos de pessoas que viveram toda a vida em cidades, sem contato com a beleza do processo de semear e colher seu próprio alimento ou suas próprias plantas medicinais em seu jardim. Esta atividade pode ser terapêutica por si só, ocupando a pessoa em algo produtivo, conectando-a com a natureza e com a jardinagem.
Tenho claro que esta visão que exponho sobre a canabis é diferente da visão da maioria das pessoas. Quando toda a vida você ouviu que uma substância é prejudicial, isso se torna sua verdade, embora a evidência científica atual diga o contrário. Se não fizermos o trabalho de pesquisar e pensar por nós mesmos, continuaremos vendo esta nobre e versátil planta como um demônio. Depois de pesquisar décadas sobre o assunto, minha opinião pessoal é que está muito mais perto da definição de anjo do que de demônio.
Não penso que todas as pessoas devam cultivar ou utilizar canabis, mas me resulta indignante que pessoas sejam encarceradas por fazê-lo. A política de “guerra às drogas” fracassou completamente, no entanto, promoveu o sucesso do negócio do narcotráfico. Acredito que hoje, em 2024, ninguém poderia defender essa política olhando para as estatísticas disponíveis. Décadas de aumento tanto na produção quanto no consumo de drogas evidenciam o fracasso. Em 1970, nos Estados Unidos, morria 1 em cada 100.000 pessoas por overdose. Em 2019, esse número aumentou para 20 em cada 100.000. Uma triste realidade produto de meio século de políticas estúpidas.
Vamos refletir, se uma empresa fabrica armas, como bombas, granadas ou tanques, o faz porque seus proprietários querem lucrar com sua venda. É do interesse deles que haja paz ou guerra no mundo? A resposta é óbvia. Na mesma lógica a proibição das drogas propicia lucros vultosos aos traficantes, a última coisa que o tráfico quer é que sejam promulgadas leis para uma produção e consumo controlados.
Também não se trata simplesmente de legalizar e regular todas as substâncias na próxima semana e pronto, acabam todos os problemas. Acaba-se com o tráfico, sim, mas é imprescindível realizar grandes campanhas de educação sobre o assunto. Devemos abordar o problema do abuso de drogas com uma visão ampla, tendo em foco um grande quadro de tecidos socioculturais que variam muito de país para país. Sem educação de qualidade, nunca haverá uma verdadeira prevenção do abuso de qualquer substância. Governos fracos podem nos mentir, mas os números não mentem.
(continua na parte VII)