O ruído da escola e da educação se faz sentir mais forte na sociedade: na imprensa, entre grupos de amigos, nas reuniões de família o assunto está na pauta e nas conversas. Circulam opiniões, palpites e propostas. “A escola está em crise!”. “É porque o professor não tem mais autoridade, tiraram as notas e com isto deixaram o professor sem recursos para conter seus alunos, manter a disciplina. Não há mais limites!”… “Mas é necessário ponderar que hoje a escola é para todos, é inclusiva.”… “Sim, hoje todos tem oportunidade de entrar e permanecer na escola. Mas que qualidade de ensino e de socialização a escola está garantindo?”.
Um foco muito destacado nestas discussões é a questão dos limites dos educandos e a autoridade do professor. Fatos que ocorrem no cotidiano das escolas relativos à violência são muito divulgados na imprensa de um modo geral. E daí, são muitas as deduções e conclusões apressadas e também simplistas que apontam como solução a retomada das normas e do regimentos mais rigorosos com relação à punições aos alunos.
São várias as notícias sobre os conflitos e a violência no ambiente escolar, como esta publicada dia 18/03/2010 na Agência Estado:
“O professor de geografia…, de 43 anos, é acusado de lançar um apagador contra o rosto de uma aluna de 11 anos na Escola Municipal Cuba, na Ilha do Governador (RJ). O incidente aconteceu ontem de manhã durante a aula.
Ontem mesmo professor e aluna prestaram depoimento na delegacia. Na ocasião, o professor disse que atirou o objeto em função da bagunça na sala de aula. A menina ficou com uma marca vermelha no rosto.
A Secretaria Municipal de Educação informou em nota que «considera inaceitáveis atitudes como esta». De acordo com o órgão, a Coordenadoria de Educação da região instaurou sindicância para apurar os fatos. Dentro de 60 dias, a Secretaria vai se manifestar sobre possíveis medidas cabíveis, que vão de uma advertência a demissão”.
E hoje, eu li esta matéria que me chamou muita atenção. Escolas de Campo Grande adotam medidas polêmicas para conter a indisciplina dos alunos.
Para punir os estudantes indisciplinados, escolas das redes pública e particular fazem os alunos lavar banheiros, pratos e talheres, distribuir merenda e limpar o local onde estudam.
As atividades foram introduzidas em 52 estabelecimentos do ensino fundamental, que reúnem um total de 8 mil dirigentes e professores. As práticas, que entraram em vigor em maio do ano passado, são apontadas como responsáveis pela redução da violência escolar.
O promotor de Justiça Sérgio Harfouche, titular da 27ª Promotoria de Infância e Juventude de Campo Grande, MS, é autor do método que pune os indisciplinados com tarefas obrigatórias dentro da escola. Ele reconhece que a medida não é simpática, mas afirma que ela tem dado «ótimos resultados». «Crianças não são bandidos, são indisciplinadas.»
Segundo Harfouche, entre os principais problemas registrados com crianças e adolescentes de 11 a 14 anos estão desacato e agressão ao professor, ameaças e brigas. E há até casos de tentativa de homicídio. «Eles acabam cometendo uma série de infrações, contrariando o Artigo 129 do Código Penal. Se fossem adultos seriam condenados e presos», diz Harfouche.
Mas, como não são, afirma o promotor, a pena máxima é «ficar com o nome sujo na polícia, impune e passar pelas unidades de internação educacional do governo». «Nas escolas, no lugar de uma ocorrência policial contra o menor, nós damos trabalho.»(Agência Estado)
Como podemos observar o assunto é polêmico e gera muitas dúvidas e inquietações. Na história da escola e da educação já tivemos o tempo em que os professores para exercerem sua autoridade utilizavam a palmatória . A utilização de castigos corporais para “educar” os filhos era considerado natural e os limites também eram definidos no âmbito familiar, este era um assunto privado. Nesta época, não existia o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA)
O desafio de efetivarmos os direitos humanos e sociais é atual e é responsabilidade de toda sociedade. O direito à educação, a uma escola de qualidade para todos não pode ser retórica ou apenas letra da lei. Construir esta escola no contexto atual é o sonho e a esperança de muitos educadores.
Como fazer? Alguém tem a receita? Algum manual? Penso que é consenso que o respeito e a disciplina no ambiente escolar é condição sine qua non para que qualquer proposta educativa séria se viabilize. Mas é preciso buscar o sentido e significado das palavras. O discurso de restaurar o respeito e a disciplina é utilizado para justificar diversas propostas pedagógicas e práticas escolares, muitas contraditórias e conflitantes entre si. Quais os valores e concepções embasam estas práticas? Qual o papel da Escola? Quem são estas crianças, adolescentes e jovens que nas escolas se transformam em alunos? Como construimos as regras e as normas? Qual é o papel do professor? São muitas as perguntas e as respostas só podem ser construídas no dia a dia da escola. Cada encontro com nossos alunos, cada aula é um momento inusitado.
Interessante observar que o debate não é restrito à situação das escolas públicas do nosso país. O filme, documentário francês, “Entre os muros da Escola” nos mostrou que muitos problemas da Educação e escola também são globais. E um aspecto que chama a atenção é as reuniões dos conselhos de classe e o debate entre os professores, quando estes divergem sobre as normas e regras e as formas de se estabelecer os limites e a disciplina dos alunos. Alguns querem maior rigor, enquanto o professor que tem suas aulas e as situações que vive na sala de aula registradas no filme, pondera a necessidade da flexibilidade para que as relações não sejam engessadas e polarizadas.
O professor tem uma relação humana com seus alunos e o educativo perpassa esta relação, ele é desafiado todo dia a aprender e reaprender. Não vamos resolver esta questão do respeito e da disciplina decretando leis e normas. A construção das regras, Contrato de Convivência, é processual e pode ser um momento educativo rico, com a participação não só da direção e dos professores, mas dos outros funcionários, dos pais e alunos. Os valores e concepções que fundamentam a prática educativa podem ser explicitados e discutidos neste processo.
Penso que precisamos participar do debate que a sociedade, muitas vezes estimulada pela mídia, começa a fazer sobre a educação e a escola. Urge qualificar este debate. A armadilha das simplificações e dos aparentes consensos pode obscurecer as questões mais relevantes e dificultar a abertura de um diálogo mais construtivo e amoroso.
E para concluir, vou citar a antropóloga Helena Sampaio, doutora em Ciência Política e membro do Núcleo de Pesquisas sobre Ensino Superior da Universidade de São Paulo, USP, que pode contribuir com esta conversa:
“Acho que os casos de violência não são problemas de indisciplina. Os atiradores americanos (que cometem homicídios em massa nas escolas) são outro problema, é quase uma patologia social, por serem recorrentes. Aqui precisamos isolar os fatores causadores da violência para analisar. Claro que a sociedade está mais violenta, mas quem está agredindo? A violência é resultado do uso de droga? A generalização “a escola pública está mais violenta” apenas deprecia e faz a instituição cair cada vez mais em descrédito. Regras e limites podem dar credibilidade e reconstruir a idéia de esfera pública, de bem público. Se restaurarmos a disciplina escolar, esses casos podem diminuir. “Regra”, “norma” e “limite” viraram “palavrões”, mas são necessárias no ambiente escolar.
P: Fala-se muito em tolerância e respeito em sala de aula. Porém há uma grande diferença entre os dois não?
Helena Sampaio: Tolerar é aceitar passivamente. Respeitar é buscar construir uma relação positiva. A tolerância pode exacerbar o individualismo, e o respeito pode construir o coletivo. Fico com muito medo da cultura da tolerância porque ela pode cair na exacerbação do individualismo. Eu tolero o negro, o índio, o homossexual, mas não permito a troca, o diálogo. Uma cultura da tolerância é a uma cultura de indiferença. As culturas mais individualistas, como a dos EUA, têm uma cultura da tolerância muito forte, mas as pessoas não dizem bom dia, umas para as outras, porque isso significa invadir a privacidade do outro. O grande tolerante é um intolerante, ele não admite a troca, o diálogo.”
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