XXXVI – Winning the quagmire

Published by Bill Braga 10 de February de 2015

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Quando retornei ao local da cerimônia algo havia mudado. Como se um click tivesse sido dado em minha mente. Agora aqueles cantos, antes ininteligíveis pareciam fazer um sentido oculto para mim. Algo como se um xamã tivesse chegado, como se eu fosse um xamã. Fiquei inquieto, não sabia o que fazer, não foram dadas orientações. Fui sendo tomado pelo medo. Medo de enlouquecer e não mais voltar. Tempos depois eu viria a saber que estava enfrentando ali o meu Ego, que a aiauasca nos levava a enfrentar a si mesmo, através desse enfrentamento do Ego.

Voltei e fiquei assistindo à cerimonia, fazendo conexões, acompanhando os cantos indígenas, e os rituais de cura que o pajé fazia em outras pessoas. Algo me dizia que tinha de ficar ali, mas uma inquietação extrema surgia em mim. Realmente eu pensava que estava ficando louco de vez viajando naqueles cantos, sem volta. Resolvi sair, fui ficar um pouco na mata que tinha em volta do local. Me pareceu que a floresta tinha algo a me dizer, talvez ali. Me embrenhei na mata, e deitei por lá. Senti aquelas folhas, me comuniquei de alguma forma com as árvores. Será que eu estava vivendo a experiência genuína da aiauasca? Ali, naquele recanto de mata me acalmei um pouco.

Depois resolvi voltar, Daniela falou que já tinha pedido para ser atendida pelo pajé, mas teria que ser depois. Fui para a fogueira, o Ramon estava lá. Me perguntou se eu havia tomado o kambô, eu não sabia o que era, então nem entendi a pergunta. Depois vim a saber que o kambô é outra medicina indígena, extraída de um sapo, de um poder imenso. Fiquei um pouco na fogueira, mas em pouco tempo voltou aquela sensação imensa de medo, e me desesperei. Falei com a Dani que tinha que ir embora, senão iria ficar louco de vez, perdi totalmente o controle. Ela tentou me acalmar, mas foi em vão. Como companheira, resolveu ir comigo.

Entramos no carro que estava preso pelo jeito que eu parara numa vala. Do nada surgiram duas pessoas que eu não tinha visto e fizeram uma força sobre humana e conseguiram desatolar o carro. Saí dali dirigindo desembestado, totalmente sem rumo e desorientado. Perguntei para a Dani se ela sabia o caminho de volta, ela me disse que eu teria que decidir, que eram minhas as escolhas e que ela só estava ali para me apoiar. Peguei a estrada de terra naquela madrugada sem ter a mínima noção para onde ia, mas achei que sabia o caminho com toda a certeza.

Durante o percurso eu falava que tinha sede, que tinha vontade de ir ao banheiro. Daniela me tranquilizava dizendo, isso é apenas sua mente, você está sendo testado. Não tenha medo. Aos poucos a vontade passava. Eu não aguentava ficar no silêncio, ligava música no carro. Uma hora chegamos a um ponto onde eu vi que não conhecia aquela parte da estrada. Uma descida imensa, ribanceira mesmo. Vacilei um pouco, sabia que aquele não era o caminho, mas acabei descendo, e andando naquela estrada escura. Desliguei a música, fiquei ouvindo o silêncio, e conversando com a Daniela que ia me acalmando. Segundo ela, a aiauasca não teve o menor efeito nela. Mais na frente chegamos num local em que o caminho se dividia.

Perguntei por onde seguir, ela disse que a escolha era minha. Peguei um caminho à direita, pensando talvez em dar a volta e chegar em São Thomé. Aos poucos a estrada foi diminuindo, virou um caminho estreito, até que chegamos numa porteira. Ali acabava o caminho. Não havia mais para onde ir. Queria abrir a porteira, pedir ajuda para voltarmos. Dani disse que não seria bom incomodar quem quer que fosse àquela hora, poderia ser até perigoso.

Decidi voltar para tentar achar o caminho certo. Quando chegamos na ribanceira, que agora era uma subida, o carro não subia. A chuva havia deixado o chão enlameado e realmente era impossível subir. Descemos novamente, e seguimos a estrada, até chegarmos na porteira. Decidimos que passaríamos a noite ali. Dani me falava sobre os índios. Tiramos nossas roupas e ficamos nus ali, no meio do nada, perdidos, de madrugada. Tentei fazer uma fogueira, mas os gravetos estavam todos molhados.
Seguimos conversando, eu fui me acalmando e relaxando. O que poderia acontecer? Me sentia seguro a essa altura, independente de estar perdido e de todo atordoamento e medo que tinham sido despertados em mim pela aiauasca. Quando a madrugada foi acabando falei para voltarmos. Seguimos o caminho de volta e chegamos à subida. Novamente tentei de todas as formas, mas o carro deslizando não conseguia passar das valas. Resolvemos deixar o carro ali e seguir a pé até o sítio onde fora realizada a pajelança. Fomos caminhando e conversando, eu me sentia muito bem, será que teria passado o efeito do chá, ou estava só começando a entrar no universo da aiauasca?

Caminhamos não por muito tempo e conseguimos chegar ao sítio. Ao chegarmos os últimos dois carros estavam voltando para São Thomé, e explicamos o que aconteceu. Conseguimos carona até a cidade. Daniela tinha que voltar em breve para a cidade dela, eu ainda teria que resolver como rebocar meu carro. Mas tudo estava muito bem agora, eu me sentia ótimo, seguro e confiante. Conversei com o Ramon quando voltamos ao sítio, ele disse que ficaria lá. Eu disse que iria a cidade resolver o problema do carro e que poderia dar carona a ele para voltar para BH. Ficamos combinados que eu voltaria ao sitio quando resgatasse o carro. Eu e Dani entramos no carro e fomos para São Thomé.

Voltamos com um camarada muito gentil, chamado Jonas. Ele nos contou um pouco da sua vida, da sua relação com a aiauasca. Perguntei onde ele morava, ele riu e deu uma resposta misteriosa: por aí. Eu estava curioso de saber o que aquelas pessoas faziam, com que trabalhavam, como sobreviviam, para poder ficar viajando com os índios. Queria ser como eles, queria viver aquela experiência. Chegamos em São Thomé e nos despedimos do Jonas.

Fomos, eu e a Dani, na pousada onde estavam nossas coisas. Eu conversei com o rapaz pedindo para deixar minhas coisas lá até resolver o problema do carro. Expliquei para ele o que ocorreu, e perguntei se sabia de alguém que tinha um 4 x 4 para puxar meu carro ladeira acima. Ele disse de um senhor na praça da cidade que talvez pudesse ajudar. Aí começou a peregrinação em busca de alguém para ajudar.

Chegamos à praça, o senhor estava com seu carro. Era um carro para fazer passeios turísticos. Expliquei para ele onde estava o carro, ele me disse que era conhecido como Serrinha, mas disse que não poderia ajudar pois tinha medo que seu carro não aguentasse subir. Mas disse que tinha uma pessoa que tinha um trator e que resolveria. Fomos atrás desse cara, batemos na porta de sua casa, mas ele estava na fazenda, talvez quando voltasse. Tudo em vão. Parecia que teria que deixar o carro pra trás. Voltamos para a praça. Chegou a hora de me despedir da Daniela. Ela me disse para ficar tranquilo que tudo se resolveria, só ficar aberto e atento aos sinais.

Pegamos as malas dela e levei-a até a rodoviária. Nos despedimos com bastante paixão. Agora era comigo, estava sozinho, tinha que resolver tudo e ainda voltar e enfrentar família, namorada e tudo. Resolvi voltar para a praça e conversei com alguns hippies. Um deles me explicou que havia um jeito de dar a volta pela estrada que peguei. Era só pegar o caminho do meio, onde eu vi uma bifurcação. Esse hippie fez uma bela arte num azulejo que comprei para relembrar daqueles momentos: um homem de braços abertos sob a lua numa floresta.

De certo modo, depois que retornei à praça central da cidade, me sentia conectado com toda aquela vibração, e com todas as pessoas que estavam ali. Sentei na praça e já tinha esgotado as possibilidades de solução para buscar meu carro. Conversei com as pessoas ali, elas buscavam me ajudar de alguma forma para solucionar o problema. Enquanto conversava com um rapaz que alugava quadriciclos, surgiu a solução. Perguntei se ele me levaria até o carro, uma vez lá poderia descer e pegar o caminho que dava a volta para chegar na cidade.

Embarquei na garupa do quadriciclo, e fomos em direção à Serrinha. Já era meio da manhã e o sol resolveu sair nesse dia. Chegamos lá, ele me deixou na porta do carro. Nesse instante passou outro carro subindo, e resolvi que tentaria subir também. Devagar e com jeitinho consegui superar o morro e fui direto ao sítio, Céu de São Thomé, conversar com o Ramon e quem mais estivesse por lá. Superei um desafio, me sentia bem e conectado, não sabia se era fruto da aiauasca tudo aquilo que passei.

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