Chapadão do Burro Morto – parte II

Publicado por ELIS CALDEIRA 26 de outubro de 2022

Cruz nova ajustada.
(continuação da parte I)

Mas, voltemos ao Burro Morto, assim mesmo, todo maiúsculo. Aquele caminho da chapada era o atalho, o caminho mais curto e certo a ir pelas bandas das Macaúbas e outros lugarejos nas vizinhanças, pois passar pela suposta rodagem era aumentar em muito o tempo de viagem, e haja ânimo e lombo de animal. Não sei se vocês sabem, mas, não é por acaso que os burros são os escolhidos pra viagens de grandes lonjuras. Esses animais, da denominada espécime muar, as mulas e os burros, possuem a injusta fama de terem comportamento arredio e difícil. Entretanto, quem bem conhece e convive com os bichinhos sabe que a inteligência é uma de suas principais características. Além de possuírem grande resistência e maior agilidade em trilhas estreitas e íngremes, no caso, as chapadas, as serras, subindo ou descendo seus tombadouros. Os burros possuem paladar e olfato mais rude, sendo menos seletivos na alimentação, o que facilita em muito a lida diária. Um ditado antigo: “Burro bom, carga nele!”.

Quando se diz que o burro empacou, e essa fama vai longe, talvez seja pelo fato deles nunca seguirem caminho se não confiam no dono, ou tutor para ficar politicamente correto, e pra confiar, acreditem, levará tempo. Tem também a coisa do burro empacar sem porquê aparente, mas, vale lembrar que os danadinhos tem sentido aguçado, prevendo de antemão, ou antepé, no caso o eminente risco, daí amiúde os empacamentos.

O histórico quadro de Pedro Américo “O grito do Ipiranga” mostra o príncipe regente D. Pedro desembainhando a espada e bradando “Independência ou Morte!”, o príncipe regente e seu séquito, todos em garbosos cavalos. Os historiadores cuidadosos asseguram que os animais eram burros e mulas na realidade, pois tendo saído do Rio de Janeiro apenas esses animais teriam resistência para tal percurso, da mesma forma que o transporte de víveres e pessoas onde não havia estradas era feito em lombo de burro, não de cavalos.

Independencia.
Nelson Rodrigues dizia que os brasileiros e “latinos” de modo geral apresentavam o Complexo de Vira-latas, se sentindo inferiores aos europeus e norte-americanos, os do chamado Primeiro Mundo. Pedro Américo quis dar a Dom Pedro o mesmo status de Napoleão Bonaparte que ostentava seu garboso cavalo branco. Os chamados Libertadores das Américas como San Martin e outros também são apresentados sobre portentosos equídeos escondendo os prestativos e resistentes muares, cuja imagem queremos contribuir para resgatar e valorizar. Há um ditado matuto, “passar de cavalo a burro” que significa piorou de situação.

Tristemente, o uso pejorativo do termo “burro” pra se referir a gentes de pouca inteligência não condiz em nada com a disciplina, obediência e sapiência burresca. Quer mais prova? Já reparou na postura olímpica e desassombrada do burro que não sai do trote nem dá satisfação pra torcida? E o cavalo?, pois então!, voltando ao nosso Burro Morto lá da chapada, a conclusão a que chego é que ali ele jazeu por conta de seus maiores defeitos: ter sido animal fiel, obediente e disciplinado, servindo a seu dono até o fim, até a cruz.

Amém.

(continua na parte III)

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