─ Sabe se o ponto do meu ônibus é este aqui? Ou é o próximo?
─ Qual é o ônibus ?
─ Aquele verdinho que tem escrito HOSPITAIS.
─ O número?
─ Sei não. Eu não enxergo direito. Só leio o nome. Mais fácil.
─ Precisa saber o número, pra ver se vai pra onde a senhora quer ir.
─ É um que tem ponto na Goiás, quase com Guajajaras. É lá que eu desço.
─ Tem que saber o número.
─ Eu não guardo número. Só nome.
─ Qual é o nome? Junto com HOSPITAIS tem outro nome.
─ Acho que é Jardim…
─ Jardim o quê? Aqui passam vários.
─ Se eu vir, eu sei. Minha memória é visual. Só guardei JARDIM. Por causa das flores. Você também gosta de flores?
─ Melhor tomar um táxi. Quer que eu ajude parar um táxi?
─ O ônibus, eu não pago. E tem aqueles textos pendurados no banco. Vou lendo.
─ Cuidado! A senhora está segurando a sacola só por uma alça. Está aberta. Passa um e pega as blusas da senhora. Olha, estão quase caindo.
─ Ah. Nem vi que escapuliu uma alça. (risinho amarelo). Sabe quando a gente está cansada, pega uma coisa leve. Vai andando, começa a pesar. Você perde as forças. Ai, vontade de jogar fora. Jogar, não. Largar.
─ Não me fala em cansaço. Tô no limite. A semana inteira nessa correria. Atrás de médico, exame, tratamento. Tô fazendo hemodiálise. Três vezes por semana. Meu ônibus é aquele vermelhinho. Custa passar. Vai dando uma moleza! Agora tô fazendo o risco cirúrgico. Cirurgia de emergência. Dependendo de IPSEMG, SUS, senhora já viu. Senhora também é professora aposentada? É! agora ficou tudo a mesma coisa, né? Para o Governo e os planos de saúde do Governo somos todos iguais: pobres e fodidos, com perdão da palavra. Quando eu comecei a trabalhar no Estado, tinha o SASSE, plano dos economiários. Ai, que saudade! Atendimento de primeira. O IPSEMG também era outra coisa! Até o INPS. Senhora lembra do INPS? Eu tive meu primeiro filho pelo INPS do meu marido ─Tinha pedido demissão da Caixa, pra conciliar o trabalho na escola e o casamento ─ Tudo pago. Até ajuda para o enxoval, a gente recebia. Agora, com a unificação dos planos de saúde, a gente ficou descoberta. Todo mundo tratado como indigente.
─ Pior que nessa idade a gente vive com a boca no remédio, como dizia meu avô. E remédio tá custando os olhos da cara, né? Os mais caros não têm no IPSEMG, não têm nos postos. Eu tomo três de uso contínuo: pra artrose, pro coração e pros rins. Só esses ficam em mais de trezentos por mês. Sem falar nos outros.
─ Eh! Mas a gente tá andando, né? Dá conta da casa da gente. Pior é quando não dá mais e é jogado no asilo.
─ Ai, vira essa boca pra lá! Asilo é como o barracão dos fundos da casa da gente do interior: lugar de guardar as coisas velhas de estima que não têm mais serventia. No início, manda limpar uma vez por semana. Olha, larga lá. E sai, olhando pra trás, com pesar. Logo, acostuma. Tanta coisa nova pra ver! Tanta coisa pra pagar, usar, cuidar. Vai esquecendo. Um dia, recorda. Vai ver, o mofo, a poeira, o cupim tomou conta. Aí, descarta sem dó. É a realidade da velhice nesta Sociedade. Ninguém aqui escapa. A menos que morra antes do fim. Por destino, bala perdida, ou porque chegou a hora do motorista e a gente vai junto. Deus me livre e guarde!
─ Ou de alguma árvore, né? (risos) E a gente tá passando debaixo. O meu ônibus! É este.
─ Vai com Deus!
─ Deus também. Sorte nos exames e na cirurgia!
Estou de passagem. Retardo o passo. Escuto. Respiro fundo, levanto os ombros e prossigo em silêncio, pensando no desfecho da minha própria história. Imprevisível. Desvio meus passos. E pego o atalho por dentro do Parque Municipal.
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