A vontade pode ser descrita como o controle máximo da luminosidade do corpo, como um campo de energia, ou como um nível de eficiência, ou um estado de ser que surge abruptamente na vida diária de um guerreiro a um dado momento. Ela é experimentada como uma força que se irradia da parte média do corpo, depois de um instante do mais absoluto silêncio, ou um instante de pleno terror, ou de tristeza profunda; mas não depois de um instante de alegria, pois a alegria é muito envolvente para permitir ao guerreiro a concentração necessária para usar a luminosidade do corpo e levá-lo ao silêncio.
A vontade é uma coisa muito especial. Acontece misteriosamente. Não há um meio certo de se dizer como é que se a usa, a não ser que os resultados de se usar a vontade são extraordinários. Talvez a primeira coisa que se deve fazer é saber que a gente a pode desenvolver. O guerreiro sabe disso e passa a esperar isso.
A vontade é uma coisa muito clara e poderosa, que pode dirigir os nossos atos. A vontade é uma coisa que o homem usa, por exemplo, para vencer uma batalha que ele, por todos os cálculos, devia perder. O que o feiticeiro chama de vontade é um poder dentro da gente. Não é uma idéia, nem um objeto, nem um desejo. A vontade é o que pode fazê-lo vencer quando seus pensamentos lhe dizem que você está vencido. A vontade é o que torna invulnerável. A vontade é o que faz o feiticeiro atravessar uma parede; o espaço; ir até à Lua, se ele quiser.
O que você chama de vontade é caráter e uma disposição forte. O que um feiticeiro denomina vontade é uma força que vem de dentro e se agarra ao mundo exterior. Sai pela barriga, bem onde estão as fibras luminosas.
A coragem é outra coisa. Os homens de coragem são homens de confiança, nobres, constantemente rodeados por pessoas que ficam em volta deles e os admiram; no entanto, muito poucos homens de coragem, têm vontade. Geralmente são homens destemidos, que são dados a praticar atos audaciosos de bom senso; a maioria das vezes, um homem corajoso é também atemorizador e temido. A vontade, por outro lado, trata de façanhas surpreendentes, que desafiam nosso bom senso.
A vontade é um poder. E como é um poder, tem de ser controlada e afinada, e isso leva tempo. Nossa vontade opera apesar de nossa indulgência. Por exemplo, sua vontade já está abrindo sua brecha, pouco a pouco. Há uma brecha em nós, no lugar das fibras luminosas. Como a moleira de um bebê, que se fecha com a idade, essa brecha se abre à medida que a pessoa desenvolve sua vontade. É uma abertura. Abre um espaço para a vontade disparar, como uma flecha. A vontade é como uma força que é o verdadeiro elo entre os homens e o mundo – tudo o que nós percebemos, de qualquer maneira que desejamos perceber.
Perceber o mundo acarreta um processo de apreender tudo o que se apresenta a nós. Essa percepção especial é efetuada com nossos sentidos e nossa vontade. Um homem comum só pode “agarrar” as coisas do mundo com as mãos, ou com os olhos, ou os ouvidos, mas um feiticeiro pode agarrá-las também com o nariz, ou a língua ou a vontade, especialmente a vontade. Não posso descrever como isso é feito, mas nem você me pode descrever, por exemplo, como é que ouve. Acontece que eu também sou capaz de ouvir, de modo que podemos falar sobre o que ouvimos, mas não sobre como ouvimos. Um feiticeiro usa a sua vontade para perceber o mundo. Essa percepção, contudo, não é como ouvir. Quando olhamos para o mundo, ou quando o ouvimos, temos a impressão de que já está lá e que é real.
Quando percebemos o mundo com nossa vontade, sabemos que não está tão ali, ou que não é tão real quanto pensamos. A vontade é uma força, um poder. Ver não é uma força, e sim uma maneira de se penetrar nas coisas. Um feiticeiro pode ter uma vontade muito forte e, no entanto, pode não ver; o que significa que somente um homem de conhecimento percebe o mundo com seus sentidos e com sua vontade, e também vendo. Aquilo que o poderia ajudar a desenvolver sua vontade está no meio de todas as pequeninas coisas que você faz.
(Compilação Flórion)