Este é o último dos artifícios dos feiticeiros. Digamos que o que vou revelar-lhe seja o último pedacinho da explicação dos feiticeiros. Fazer a razão sentir-se segura é sempre a tarefa do mestre. Ludibriei sua razão, fazendo-a crer que o tonal é responsável e previsível. Temos esforçado para lhe dar a impressão de que somente o nagual está além do âmbito da explicação; a prova de que tivemos êxito nisso é que neste momento lhe parece, a despeito de tudo o que você passa, que ainda existe um centro que você pode chamar de seu, a sua razão. Isso é uma miragem.
Sua preciosa razão é apenas um centro de montagem, um espelho que reflete alguma coisa que está fora dela. O último capítulo da explicação dos feiticeiros diz que a razão apenas reflete uma ordem exterior, e que a razão nada sabe a respeito dessa ordem, não pode explicá-la, do mesmo modo como não pode explicar o nagual. A razão só pode presenciar os efeitos do tonal, mas nunca poderia compreendê-lo, nem desemaranhá-lo. O simples fato de estarmos pensando e falando mostra uma ordem que seguimos sem nunca saber como o fazemos, nem o que a ordem será.
Os feiticeiros fazem a mesma coisa com a vontade. Dizem que através da vontade podem presenciar os efeitos do nagual. Agora, posso acrescentar que, através da razão, não importa o que fizermos com ela, ou como o fizermos, estaremos simplesmente presenciando os efeitos do tonal. Em ambos os casos não há esperança jamais de entender ou explicar o que é que estamos presenciando.
Um feiticeiro pode usar as asas da percepção para tocar outras sensibilidades, a de um corvo, por exemplo, a de um coiote, de um grilo, ou a ordem de outros mundos naquele espaço infinito. As asas da percepção podem levar-nos aos últimos confins do nagual ou a mundos inconcebíveis do tonal.
Chegamos afinal à última parte da explicação dos feiticeiros. Um dia eu lhe disse que o nagual e o tonal, que perfazem a totalidade do homem, ficavam fora de nós, e no entanto não ficavam. É este o paradoxo dos seres luminosos. O tonal de cada um de nós não é mais que o reflexo daquele desconhecido indescritível cheio de ordem. O nagual de cada um de nós não é mais que um reflexo daquele vazio indescritível que contém tudo.
A tarefa agora é mergulhar no desconhecido sozinho. Sente-se aqui e desligue seu diálogo interno. Você pode conseguir o poder necessário para abrir as asas da sua percepção e voar para aquele infinito.
Comentários
Até agora a passagem mais vivificante que li nos livros de Castaneda… Muito Bom!