Lúcifer, a Reforma Protestante e a Teologia da Prosperidade – parte IX
(continuação da parte VIII)
O eleitor pentecostal
Depois de tantas considerações surge a grande e atual questão: como é que, além de contribuir com o “dízimo” que permite a estruturação das grandes redes de comunicação, a construção dos suntuosos megatemplos e de propiciar a vida nababesca dos “missionários”, os fiéis também se sujeitam à orientação sobre sua escolha eleitoral, quais candidatos e que partidos escolher para governar?
Essa é a questão que abordaremos nesse artigo. Em época eleitoral os institutos de pesquisa, os analistas políticos, cientistas, jornalistas e marketeiros, se debruçam sobre as pesquisas de opinião para analisar o comportamento do eleitor. Há explicações da intenção do voto de acordo com o nível de renda, de escolaridade, gênero, além do recorte regional. Há também o importante recorte da religião: como votam os eleitores de acordo com sua confissão religiosa? O intrigante é que o eleitor católico, que ainda é maioria no Brasil, pode ter seu voto previsto pela estratificação da renda, escolaridade e gênero, o que não ocorre com o eleitor evangélico, que contraria esses padrões, desafiando os analistas. Em resumo, porque o eleitor evangélico de baixa renda não tende a votar em candidatos de partidos que assumem compromisso com a justiça social e distribuição de renda?
A moralidade e os costumes
Um dos fatores mais aceitos para explicar essa escolha é o fato dos líderes religiosos atuarem como “brokers”, ou cabos eleitorais e enfatizarem em suas falas e pregações questões morais que certamente conflitam com as pautas dos partidos à esquerda do espectro ideológico, aqueles que propõem políticas redistributivas e que também enfrentam a visão tradicionalista nos costumes.
É o que constata Victor Araújo, pesquisador do Centro de Estudos da Metrópole, CEM, em sua tese de doutorado em Ciência Política, defendida na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, FFLCH, da Universidade de São Paulo, USP. Seu objetivo foi entender por que os mais pobres não votam, ou votam menos frequentemente do que se esperaria, em partidos com bandeiras social-democratas. Intitulada “A religião distrai os pobres?”, a tese analisa o pentecostalismo e o voto redistributivo no Brasil. “Não é que os pobres sejam irracionais ou não queiram votar por redistribuição, é que parte deles ranqueia a dimensão moral acima da questão da renda”, destaca.
Na América Latina, por exemplo, evidências empíricas sugerem que a ascensão de governos de esquerda nos anos 2000, fenômeno que ficou conhecido como Maré Rosa, está associada ao aumento do gasto social com saúde e educação”, afirma.
A pesquisa compara as tendências de votos dos católicos, dos evangélicos tradicionais – as igrejas protestantes históricas como Batista, Metodista, Presbiteriana e dos pentecostais nas eleições presidenciais brasileiras entre 2002 e 2018. Araújo foi orientado pela pesquisadora do CEM e professora do Departamento de Ciência Política da FFLCH/USP, Marta Arretche.
O Brasil é um país muito pouco secularizado. Dados da pesquisa mostram que mais de 85% das pessoas admitem ter religião, e a maior parte é cristã, com maioria católica, seguida por evangélicos. Entre 2000 e 2010, o número de evangélicos cresceu 61%, alcançando 22,2% da população ou 42,3 milhões. Do total de evangélicos, 57%, ou 24 milhões, se declaravam pentecostais em 2010. E dois entre três novos convertidos às igrejas evangélicas pentecostais são provenientes do catolicismo, religião que perde 1% da população a cada ano. É a chamada transição religiosa. Se a tendência atual continuar em 2032 os evangélicos terão ultrapassado numericamente os católicos segundo pesquisa do demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, do IBGE.
Uma das explicações é que as igrejas pentecostais teriam criado uma espécie de estado de bem-estar social, welfare state, alternativo. Elas conectariam as pessoas a diversas redes que podem lhes oferecer serviços de proteção numa situação de crise, cesta básica, acesso a redes de networking para conseguir emprego, e de ajuda para lidar com fatores como alcoolismo, consumo de drogas e depressão. No entanto, essas redes existem em diversas denominações religiosas, e o comportamento eleitoral entre elas é bastante distinto, observa Araújo.
Os modelos quantitativos elaborados por Araújo mostram que a probabilidade de pentecostais votarem em partidos de esquerda é muito pequena em comparação com católicos e evangélicos tradicionais, mesmo quando mantidas as características, renda, nível escolar, gênero, local de moradia etc. dos indivíduos pesquisados. É um processo que ocorre desde as eleições de 2002, pelo menos. “Eles tendem a não votar em partidos de esquerda há muito tempo. A novidade está no fato de que esse grupo do eleitorado aumentou e passou a ser importante ter seu apoio para vencer eleições no Brasil”, ressalta.
Para Araújo, esse comportamento é um paradoxo. Isso porque trata-se de uma população mais pobre – 75% ganha menos de dois salários mínimos -, menos escolarizada, com menos acesso à informação e que está concentrada nas áreas periféricas das grandes cidades, onde essas igrejas estão presentes em maior número. Apesar da baixa renda, e mesmo que sejam beneficiados por políticas de redistribuição, as pautas calcadas nas questões morais se sobrepõem à renda na hora do voto, aponta o pesquisador.
No entanto acreditamos que essa explicação, de que o voto moral ou de defesa dos costumes seja determinante, tenha apenas um pequeno peso para explicar essa realidade, e é o que propomos a elucidar na próxima parte desta série de artigos.
(continua na parte X)
Lúcifer, a Reforma Protestante e a Teologia da Prosperidade – parte X
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