A tragédia do Rio dita de outra forma

Publicado por Editor 19 de janeiro de 2011

a água seu curso

de enigmas e desconstrução

seu discurso livre de sintaxe

de complementos

segue só água a morte

e suas desconexas

conotações

segue só água

a mídia cega

no útero das nuvens

do vento sem adjetivos

segue só água

o mito do dilúvio

a rebeldia dos anjos

a queda dos montes

o que de água se arrasta

a terra a mata

floresta e casas

cavalo e ponte

nem se salva

na arca

segue só morte

de pedra e pânico

a água do batismo

estranha fonte

do sótão da palavra chuva

segue só lama

a morte sem luvas

só água de antes

só lâmina e mácula

arame e magma

a  máscula mortalha

o bruto abutre de aluvião

segue só água por onde

sua língua alcança

do mundo o coração

só água onde antes bebia

não bebe mais no espelho

o homem

a onça

água e pedra de irmandade

se imantam

lixo e diamante

se dividem em prantos

segue só água

tinge de sangue o horizonte

só água em cachos

em cântaros

de mapas sem nome

segue que água bebe

mesmo sem fome

come da cidade a alma

o cerne

segue de água a língua

se multiplica em signos

e ditames

em sigilos

os dilemas

os reclames

segue só água

seca do homem

o desejo

o orgulho

a infâmia

segue só água

penetra

perfura

afaga

afoga

sufoca avança

perpetra a hecatombe

segue só água a linguagem da chuva na montanha

nem santa

nem satânica

sua semântica dissonante

segue só água sertânica

de janeiro a março

sem bossa ou máscara

água só marcha

de sombras sonâmbulas

na direção do Atlântico

só água seu discurso irônico

a arquitetura do idioma

não a imagem da água

a água mesma

sua viagem anômala

seu discurso multiforme

polifônico

ninguém escuta

o barulho da chuva

o ritmo da musica

o embrólio de tudo

o rumor das sombras

o discurso d’água

pela água se dissolve

arrebenta a língua

por dentro de si mesmo

o vasto dicionário de abismos

a cidade da palavra

tomba

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