Por um novo Bolsa Família – parte 2

Publicado por Denise Paiva 19 de fevereiro de 2010

Voltando um pouco antes!… Aplausos e críticas devem ser dados desde os idos de 1990 quando a sociedade começa a ensaiar os programas de transferência de renda. Surge na academia e no Senado da República um implacável defensor, o economista Eduardo Suplicy, uma voz tão insistente que acabou sendo chamado de “senador do samba de uma nota só: programa de renda mínima”.

Notável é a contribuição de um estudioso, brilhante na introdução do seu Projeto de Lei nº 80, de 1991, com o capítulo “A Construção de uma Política Econômica Civilizada”. A preocupação do senador do PT é com o desenvolvimento, com o trabalho e com a produção de riqueza.

Não devemos nos ater à condição do beneficiário ter entre 25, 21 ou 18 anos para ingresso no programa, se é a Receita Federal ou a Previdência Social, ou as instituições de crédito que vão administrar a renda mínima. Não precisamos nos adentrar nas especificidades que Suplicy adentra e que, a meu ver, exageradamente, fugindo não só da especificidade do seu conhecimento como do objeto de matéria legislativa.

O importante na contribuição de Suplicy é a essência, é o principio sempre evocado pelo senador “… sempre será vantajoso para o cidadão trabalhar em relação a não trabalhar”.

Suplicy tem o cuidado e a sabedoria de anexar à publicação do seu projeto, algumas contribuições que são verdadeiros faróis que poderiam estar iluminando as discussões em torno do programa, tanto dos que o criticam, quanto dos que o defendem.

É importante ler e refletir sobre as contribuições no referido documento publicado em 1992. Um deles do deputado Pedro Tonelli diz: “o projeto Suplicy… é a mudança do enfoque na concepção de um programa que ao mesmo tempo responde ao problema econômico e ao problema social…”. Já o professor Lauro Campos, senador pelo PT e depois PDT-DF diz: “O imposto de renda negativo tem a vantagem de ser diretamente redistribuidor da renda nacional, dispensando a mediação do governo” (grifo meu).

E ainda pelo saudoso Lauro Campos, citando “O Capital” de Karl Marx: “A causa das verdadeiras crises será sempre a pobreza e limitação da capacidade de consumo da massa diante da capacidade de produção que se desenvolve” (sobreacumula), “como se a capacidade absoluta de consumo fosse seu limite”.

Já Herbert de Souza, o Betinho, no documento “Distribuição de Renda: Desenvolvimento e Democracia” acrescenta: “… Pensar em desenvolvimento e democracia no Brasil significa propor concretamente formas de redistribuição de renda, sem a qual nem haverá desenvolvimento nem democracia. Por isso a iniciativa do Senador Suplicy propondo o imposto de renda negativo só pode merecer o apoio de todos os que lutam por uma nova sociedade e apostam efetivamente no futuro”.

Outro documento, de Paulo Nogueira Batista Jr. e Carlos Eduardo Carvalho, publicado pelo IESP/FUNDAP, sob o título “Uma Proposta Inovadora Para a Distribuição de Renda no Brasil” acrescenta: “… o imposto de renda negativo procura reduzir os efeitos potencialmente desfavoráveis sobre a dedicação ao trabalho e sobre a oferta de mão de obra, estabelecendo os níveis de renda suplementar de forma a estimular a busca de maior renda no mercado de trabalho” (o grifo é meu).

Da UNICAMP veio a contribuição de Sonia Miriam Draibe “Da Assistência Social aos Programas de Renda Mínima Garantida”: “… respondendo a um direito do cidadão, a ação do Estado, independente de qualquer condicionante que não a do próprio estatuto da cidadania de que o beneficiário é portador, deve ser garantidamente dispensada e, por definição, depurada de todas aquelas características negativas de concepção e forma de implementação…”

O Senador Alfredo Campos (PMDB-MG) também participou do debate com o documento: “Renda Mínima: Um Requisito para o Direito ao Trabalho”: se o País está disposto, acima de tudo, a encarar o problema da miséria, é necessário uma forte dose de coragem em aceitar o doloroso fato de que as pessoas, em tal estado, não são empregáveis. Cair na miséria significa também perder a condição de procurar emprego. De início, não há recursos para o transporte ou para a apresentação pessoal mínima que a procura exige. Segue-se a inanição, com a conseqüente perda da capacidade de ir e vir, de trabalho e da própria saúde”.

Vale refletir, ler e reler o debate que Suplicy provoca e sistematiza anexando-o à publicação do seu projeto de lei. Fica claro, na análise da essência do projeto, como, na contribuição de todos os que o comentam e em especial o aplaudem, é íntima a ligação entre renda mínima, incentivo ao trabalho e combustão ao crescimento econômico.

Data Vênia: Bolsa Família e o Renda Mínima viraram irmãos siameses às avessas!

No dia 26 de outubro de 2009 o Ministro Patrus Ananias em rede nacional de comunicação afirma que o Bolsa Família tem 12.400.000 (doze milhões e quatrocentas mil famílias beneficiárias diretas) e que 3.500.000 já se desligaram do programa.

O governo dispõe de uma pesquisa “cientifica” sobre o que aconteceu com a vida dos que passaram pelo programa?

O governo está convocando para um recadastramento até o final do ano. Qual é a relação custo-beneficio deste procedimento?

É inaceitável que, até hoje, a burocracia estatal não tenha se dado conta da inutilidade e do desperdício de recursos que envolvem cadastramento de servidores inativos, pensionistas, beneficiários de programas sociais. Bastaria um sistema de cruzamento com os cartórios que emitem certidão de óbito que a principal razão destes gastos irracionais seria jogada por terra.

Voltando ao Programa de Renda Mínima do Senador Suplicy, não quero e nem posso defender os patamares propostos, nem as regras ou os mecanismos de administração do programa, até porque não foram bem aprofundados, não foram testados na prática e não estão do domínio do conhecimento específico desse notável economista da Fundação Getulio Vargas de São Paulo.

Quero com veemência e conhecimento técnico-profissional no campo do Serviço Social e da administração pública municipal, estadual e federal defender alguns princípios na busca da superação da lógica do incentivo ao consumo a que seu programa é comumente enquadrado, revelando uma apressada e não cuidadosa análise.

É necessário observar o espírito que move Suplicy e muitos dos que se enfileiraram na consideração e contribuição ao programa, tanto no Congresso como na sociedade. Se não tivéssemos tantos ouvidos moucos, o Brasil certamente seria outro, desde 1992.

A política social fundada naqueles princípios, na concepção filosófica, nos marcos teóricos ali expostos e especialmente pela vinculação e tratamento que não opõe entre si o social e o econômico, teria alavancado um crescimento econômico a partir da liberação das energias produtivas dos próprios excluídos, do seu meio familiar e comunitário. “Os fundamentos da natureza humana são idênticos” (I Ching). Ninguém quer conviver com o fantasma do medo da perda e com a dor da humilhação.

Há um momento em que o espírito nos empurra a procurar além da aparência, assim nos ensinava o eminente professor de Teoria Sociológica, Otavio Ianni, que sacudiu as Ciências Sociais e o Serviço Social na PUC/São Paulo nos anos 70. Ianni chamava a atenção ao grande filosofo Karel Kosik quando afirma: “a aparência revela, mas ao mesmo tempo esconde”.

O que o bolsa família revela? O que o bolsa família esconde?

Deixemos esta resposta para depois ou para o leitor.

O Programa de Renda Mínima de Eduardo Suplicy revela e esconde uma verdadeira revolução na forma de conceber a política social e a coloca como indutora do crescimento econômico.

Vejamos, ao repassar alguns pontos relevantes nesta assertiva em que se verifica o primado do valor do trabalho confirmado pelas próprias palavras do senador autor do projeto.

“… gostaria que vocês pensassem no conceito de renda mínima garantida, que seria paga a cada pessoa que não tivesse rendimento até certo patamar, digamos 50 cruzeiros. A pessoa teria o direito de receber, na forma de taxação negativa, numa proporção de 50% sobre a diferença entre o seu rendimento e aquele patamar definido como mínimo, para que sempre houvesse o incentivo ao trabalho (grifo meu)”, “Programa de Garantia de Renda Mínima”…, pág. 20.

A preocupação em coibir o uso político eleitoral está presente, contagia e motiva o debate, tanto nas palavras do autor do projeto como dos seus muitos entusiastas.

O grande senador gaúcho José Paulo Bisol lutou para que a erradicação da pobreza viesse a ser o objetivo fundamental do nosso País, conforme proposta do artigo 3º da Constituição Federal. Ele se empenhou junto com notáveis intelectuais e economistas com sensibilidade social como Walter Barelli e Paul Singer, fazendo coro a Antonio Maria da Silveira, da FGV, que desde 1975 defende a introdução da política de renda mínima no Brasil de “maneira original, pois estaria combinada com a injeção de nova moeda na economia, daquela quantidade de moeda que normalmente seria acrescentada para acompanhar o aumento da produção (grifo meu), pág. 29.

Comentários
  • Neide Souza 4472 dias atrás

    ESTAVA CADASTRADA NO RENDA MINIMA , POIS ELE SEMPRE ME AJUDOU MUITO , PRINCIPALMENTE DEPOIS QUE NUNCA MAIS CONSEGUI UM EMPREGO FIXO OU DE CARTEIRA ASSINADA. VIVO DE BICOS E FICO MAIS PARADA QUE TRABALHANDO…. TENHO UM FILHO DE 17 ANOS QUE SÓ ESTUDA E FAZ CURSOS GRATUITOS…. NESSE ANO CORTARAM MEU BENEFICIO SEM DO E SEM PIEDADE NO MOMENTO EM QUE ME ENCONTRO SEM NENHUMA RENDA…. FIQUEI CHOCADA ME SENTINDO UM LIXO UMA MISERAVEL , EXCLUIDA DA SOCIEDADE, ONDE NEM SE QUER FUI AVISADA DO CORTE DO MEU BENEFICIO. E AINDA SE FALA QUE NESSE PAIS SE FAZ DEMOCRACIA, JUSTIÇA SOCIAL , INCLUSÃO , RESPEITO. QUE RESPEITO TIVERAM POR MIM E MEU FILHO? BASEADOS EM QUE CHEGARAM A CONCLUSÃO QUE NÃO PPRECISARIAMOS DESSE BENEFICIO. POIS ENTÃO É ASSIM QUE SÃO TRATADOS OS POBRES MISERÁVEIS DESSA PÁTRIA AMADA CHAMADA BRASIL. ONDE NO NOSSO HINO NACIONAL A ÚNICA FRASE QUE FAZ SENTINDO É A : VERAS QUE UM FILHO TEU NÃO FOGES A LUTA… AS DEMAIS FRASES SÃO PURAS DEMAGOGIAS QUE PODERIAM SE FAZER REALIDADE..

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