A primeira premissa que deve orientar nossa reflexão sobre a Nova Escola é integrar o Dom Quixote ao Sancho Pança, o sonho à realidade. Ousadia, coragem, inovação, mas pé no chão sempre, e não se distanciar da realidade, do universo cultural de todos os atores envolvidos na comunidade escolar. Quem são esses atores? Educadores, gestores, estudantes, família, comunidade, associações civis, etc. O desafio de compatibilizar Asas e Raízes está estreitamente ligado ao desafio de integrar Sancho ao Quixote. Sonhar como quimera individual é só um sonho, uma ilusão. Sonhar em conjunto, coletivamente, é o começo da realidade.
Quando falamos em asas falamos de inovação, de prospecção de cenários futuros, de saltos de qualidade, de compromisso com a mudança, com a transformação. Dar asas ao espírito crítico e criativo imanente ao ser humano é sobretudo fazer a diferença especialmente no cotidiano. Superar a mesmice, a acomodação, a repetição dos erros, ir além do óbvio e do costumeiro é VOAR.
Não é o voo cego e solitário rumo ao exilio, ao “não sei onde”, mas o voo como das andorinhas em bando, rumo à realidade e se possível a uma nova realidade onde os sonhos se materializam.
Grandes sábios já proclamaram que não conhecer a história pode nos tornar fadados a repetir seus erros e fracassos, daí a importância de se voltar para as raízes.
São as raízes que nos colocam frente a frente com nossa identidade, autoestima, sentido de pertencimento. Olhar as raízes nos convida a resgatar as experiências exitosas, a história, as construções, os processos, experiências, que foram muitas vezes soterradas, negadas intencionalmente ou não, que sofreram solução de continuidade pelo jogo do poder e pela prática que podemos denominar de canibalismo institucional, que devemos contestar e rejeitar.
A segunda premissa tem a ver com a liderança e com a formação dos agentes profissionais comprometidos com a transformação social. Em primeiro lugar pensar nas características de um líder servidor. O Diretor de uma Escola, como verdadeiro líder deve ser capaz de inspirar, influir, inovar e incluir. Esses “is” devem ser um mantra para os líderes.
Esse conjunto de habilidades, atitudes e conhecimentos inerentes ao comportamento do verdadeiro líder não surge de geração espontânea, nem de formação acadêmica stricto sensu, mas de um ambiente democrático, um canteiro de valores humanitários e de um programa sistemático de formação profissional contínua e compartilhada com espaços para aprendizagem e trocas presenciais focado na gestão e relações humanas. A bibliografia disponível na internet é bastante rica no desenvolvimento do conceito de liderança servidora.
Necessário integrar ferramentas de gestão ágil e efetiva com a formação de agentes públicos para a transformação e a proteção social, sobretudo das nossas crianças e adolescentes. Esse é um desafio que implica num compromisso com a superação da desigualdade, da violência, do respeito à diversidade em toda sua amplitude.
O agente público-educador carece de uma visão de mundo pautada na ética da urgência e na urgência da ética, na coerência ética entre a intenção e o gesto, entre o falar e o fazer e no compromisso radical com os direitos humanos de todos.
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Eminente psicólogo americano Carl Rogers define três princípios básicos que devem reger as relações humanas: a empatia, a aceitação e a crença incondicional no ser humano. A empatia leva a nos colocar no lugar do outro, a aceitação nos convida a superar estereótipos, preconceitos, e nos convida a conviver com as diferenças, com a diversidade, em particular contra o etnocentrismo, as diferenças de raça e cor, as de caráter religioso, deficiências e orientação sexual.
E, ainda a crença incondicional no ser humano nos convida a aceitar que as pessoas mudam, seja no plano individual, seja no plano coletivo relativo aos grupos e às organizações.
Importante considerar que a formação profissional dos agentes públicos foi, não raro, construída sobre experiências culturais diferentes e espaços institucionais e ideologias distantes. No contexto das diferenças, cabe explicitá-las, integrá-las e entrelaçá-las e não as escamotear ou simplesmente juntar e sobrepor. A formação dos agentes públicos deve dar conta desse desafio, presença forte na formação na área social latu sensu e na educação em particular.
Ao se falar em gestão devemos integrar as noções de eficiência, eficácia e efetividade. Não basta ser só eficiente nem tampouco só eficaz, esses dois elementos devem ser culminados pelo sentido da efetividade. É na efetividade que está inserida a visão teleológica, o fim maior, o sentido de sociedade e de humanidade.
O filósofo canadense Charles Taylor, na sua obra Ética da Autenticidade chama a atenção para o sentido heroico da existência, o ideário da Grécia antiga, os ideais e valores humanitários que os seres humanos contemporâneos devem resgatar e reinventar.
Questão importante e impostergável, que tem sido relegada na discussão sobre a gestão educacional, na amplitude dos seus desafios e compromisso com a efetividade, é a dimensão da intersetorialidade.
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Não resta dúvida que a Escola com “E” maiúsculo tem principalidade na promoção da intersetorialidade com as demais políticas públicas sociais nos territórios onde estão implementadas.
A escola é a instituição que tem mais tempo no cuidado e na proteção social dos meninos e meninas. É a presença cotidiana com os estudantes além de uma relação também, muitas vezes robusta, com pais, familiares e a comunidade.
A mesma criança e adolescente que vai todo dia à escola, também vai à unidade de saúde, participa das atividades culturais e esportivas e muitas de suas famílias buscam benefícios e serviços na rede de assistência social, CRAS e CREAS, e no sistema de garantia de direitos representado pelo Conselho Tutelar presentes no território.
A escola pode e deve liderar a rede de proteção social das crianças, estando atenta e compromissada não só com a aprendizagem, mas com o conjunto das suas necessidades e particularmente com a violação dos seus direitos.
Os indícios de abuso e exploração sexual podem ser identificados pelos professores e demais agentes educacionais responsáveis pelo devido encaminhamento seguindo o protocolo que orienta essa intervenção.
Caso uma criança não apresente registro civil, sua matrícula jamais deve ser negada, mas deve ser feito o devido encaminhamento para efetivação desse direito de “existir” e de inclusão social.
São inúmeros os exemplos de situações que estão no âmbito de responsabilidade da escola, para além da aprendizagem que não vamos aqui enumerar. Todavia não podemos transformar a escola na panaceia dos problemas sociais, especialmente, os que envolvem a população mais pobre, clientela da escola pública. Daí o imperativo de uma ação contínua e sistemática em Rede.
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Redes de proteção social intersetorial.
No geral os espaços físicos das escolas são mais adequados às reuniões e atividades intersetoriais que os demais equipamentos públicos e/ou comunitários. Nada impede ainda que eventos intersetoriais possam ser abrigados em locais da comunidade mais adequados como clubes, sedes de associações, espaços religiosos, dentre outros. O que importa é que haja redes e comitês intersetoriais com uma agenda de integração de trocas planejadas, sistemáticas e constantes.
A intersetorialidade impõe considerar que não basta juntar políticas e programas setoriais. O desenho intersetorial exige que na estrutura de integração estejam previstas as linhas de convergência e os momentos e mecanismos para que a integração se efetive. Protocolos devem ser feitos para assegurar o modus operandi desse enorme desafio.
Há que considerar ainda que para superar a distância entre intenção e gesto, para assegurar a concretude da intersetorialidade, os atores envolvidos nessa estratégia tenham valores, atitudes e, sobretudo, comportamentos compatíveis com a cooperação e a solidariedade. Padrões comportamentais conflitivos, de disputa, corporativismo, afirmação de espaços de poder se entrelaçam num cipoal que frustra o ideário intersetorial.
A prática intersetorial se efetiva não só com a aproximação, os pactos e protocolos institucionais, tão necessários, mas também com a identificação de pessoas, atores institucionais significantes e dispostos a serem de fato “pontos focais” conhecidos, reconhecidos e legitimados pelo coletivo.
Esse tema da “fulanização” X impessoalidade institucional enseja dúvidas, controvérsias, contradições, portanto exige uma análise profunda e criteriosa.
Urge entender a importância da “escola” como patrimônio de toda a sociedade, desta merecendo cuidado e proteção. Urge entender as possibilidades infinitas que o nível municipal, com a autonomia que a legislação brasileira assegura, é capaz de promover uma Nova Escola: Canteiro da Paz, do Conhecimento, da Sabedoria e da Cidadania.
Quando penso na Nova Escola, penso na formação dos professores nos parâmetros curriculares de Ética e Cidadania, garantindo sua aplicabilidade nas múltiplas possibilidades do espaço e da vida escolar. Penso na formação para levar a efeito o “Projeto de Vida” para os educandos, não só para o Ensino Médio, mas também para o Fundamental 2. Penso numa nova relação Polícia X Escola, em especial na ressignificação do papel das Guardas Municipais que devem incorporar uma dimensão preventiva e educativa. Penso no protagonismo infanto-juvenil, em especial na experiência dos Grêmios Estudantis comprometidos com a cultura da paz e respeito à diversidade. Penso numa salutar interação com a família e talvez numa Escola de Pais, experiência exitosa em algumas realidades.
Urge uma relação robusta, salutar e de cooperação mútua entre escola e comunidade, promovendo a quebra dos muros de concreto como também dos muros pedagógicos.
Pontes ao invés de muros é tarefa da Nova Escola.
A Nova Escola com sua vocação e compromisso transformador deve ser capaz de tirar o “R” de “ARMA”, criando Atiradores da Paz e viver no cotidiano as lições dos imortais Paulo Freire, Anisio Teixeira, Maria Montessori, Helena Antipoff e tantos outros.
Atenção especial e mecanismos de interação com a escola devem ser dados aos Agentes Comunitários de Saúde que merecem a alcunha de “soldados da cidadania”. Tais agentes podem ser atores que identificam necessidades que orientam não só as questões específicas de saúde/doença, mas um conjunto de variáveis que compõem o universo amplo e complexo da inclusão social, da evasão escolar, da promoção da cidadania e da prevenção à violência.
A ética da urgência e a urgência da ética, perpassando o conjunto de decisões e realizações da administração municipal e do setor educacional, que por excelência empunham a bandeira da “cultura da paz” como resposta firme e corajosa à retórica do ódio, do preconceito, da discriminação da pobreza e das diferenças que infelizmente impregna nossos dias e nossas vidas do Oiapoque ao Chuí. Façamos a nossa parte! Mãos à obra!
Comentários
Lindo texto! Permite cultivar a esperança que nos faz acreditar em dias melhores!
Que bom que ainda florescem em você a densidade teórica, a coerência, a esperança, a ética, a crença na possibilidade de um mundo melhor pela via da educação com excelência. Que esta reflexão chegue às mãos de quem possa extrair e plantar essa semente que surgirá dos frutos da floração. Parabéns, Denise.