Apresentação de Denise Paiva no Evento REDUÇÃO DA POBREZA
Rio de Janeiro, 15 de agosto de 2024
UFRJ, Colégio Brasileiro de Estudos Avançados
Iniciei minha trajetória profissional em 1973 na Prefeitura de Juiz de Fora, trabalhando com população em situação de rua. Estou profundamente honrada de estar aqui a convite da estimada Ana Célia Castro da CBAE da UFRJ, especialmente neste evento que chamo de “Cimeira da Juventude”. Embora o termo “cimeira” geralmente se refira a reuniões de líderes de alto nível, acredito que os jovens de hoje são os verdadeiros líderes do futuro e têm o potencial de transformar o mundo. Portanto, o uso deste termo para o evento é uma forma de reconhecer o papel crucial dos jovens na construção de um futuro melhor.
Desenvolvimento:
Um pensamento que sempre me marcou é: “Ser jovem e não ser revolucionário é uma contradição biológica, para dizer o mínimo”. Apesar de minha idade, trago minha experiência e convicções para este evento com a esperança de inspirar a juventude a ser protagonista na criação de uma sociedade mais justa e comprometida com a redução da pobreza.
Embora atualmente sua atenção possa estar voltada para questões como inteligência artificial, crise educacional, aquecimento global, meio ambiente, mídia, redes sociais, esportes e música, gostaria de chamar a atenção para um tema que pode parecer distante, mas que é, na verdade, um fenômeno invisível e muitas vezes ignorado: a população em situação de rua.
De acordo com a ONU, há 150 milhões de pessoas no mundo desabrigadas ou vivendo em abrigos temporários. Dados de 90 países indicam 60 milhões de pessoas nessa condição, com o Paquistão liderando em números absolutos e a Somália em números proporcionais. No Brasil, estima-se que quase 300 mil pessoas estejam nas ruas, com um aumento superior a
100% devido à pandemia.
Estima-se que haja uma subnotificação de 15 a 25% em relação às estatísticas oficiais, agravada por guerras e crises de refugiados. Esse número pode ser ainda maior devido à dificuldade em capturar uma imagem completa da situação, dada a natureza itinerante e o desejo de anonimato dessa população.
Os moradores de rua enfrentam muitas restrições e uma relação de desconfiança com o Estado, frequentemente resultante de políticas punitivas e contraditórias. Muitas vezes, são ignorados, rejeitados ou maltratados pelos agentes sociais responsáveis pelo atendimento.
Essa dinâmica é o resultado de uma troca negativa entre o Estado e essa população, com políticas que frequentemente falham em atender às suas necessidades reais.
Os moradores de rua são um grupo diversificado, com causas variadas que os levam a viver nas ruas, incluindo crise habitacional, desemprego, consumo abusivo de drogas e álcool, perda de laços familiares, problemas de saúde mental, e crises provocadas por guerras e desastres naturais. Além dos problemas de saúde que enfrentam, viver nas ruas agrava suas condições,levando a doenças como tuberculose, HIV/AIDS, hepatite, desnutrição e transtornos mentais.
A questão das moradias e da saúde é fundamental. Precisamos entender que as causas da situação de rua estão interligadas e criam um ciclo vicioso de tragédias.
É comum ver moradores de rua sob uma lente negativa, como se fossem um incômodo ou uma ameaça. No entanto, recentemente, eventos como as Olimpíadas de Paris mostraram a desumanidade nas abordagens para “limpar” as ruas. Em Paris, mais de 12 mil pessoas foram removidas das ruas, algumas para deportação e outras para locais precários onde acabaram retornando às ruas. O New York Times destacou a extrema desumanidade dessas ações.
Além disso, a Corte Suprem dos EUA recentemente ratificou decisões que criminalizam a vida nas ruas.
Há exemplos de iniciativas bem-sucedidas para oferecer cuidado, autonomia e reintegração a essa população. Projetos como o Housing First na Finlândia e o trabalho de organizações e voluntários, como Alexandra em Luxemburgo e o Padre Julio Lancelotti no Brasil, são referências importantes. Contudo, é necessário um esforço global para identificar e promover práticas eficazes que inspirem políticas públicas mais eficientes.
O Institute of Global Homelessness (IGH) em Chicago é uma referência importante nesse campo.
Devemos interagir com a população em situação de rua com empatia, quebrando estereótipos e preconceitos. Precisamos explorar suas histórias, talentos e resiliência, identificando oportunidades para reduzir a distância entre potencial e desempenho.
Para engajar os jovens, sugiro:
- Programas de voluntariado
Parcerias com ONGs para promover iniciativas culturais, educacionais e sociais
– Campanhas e palestras
– Oficinas de arte
É crucial que os jovens participem de maneiras inovadoras e criativas, rompendo com o paternalismo e o assistencialismo.
Convido todos a conhecer o Plano Nacional de Ruas Visíveis, uma proposta do governo brasileiro para a implementação da Política Nacional para a População em Situação de Rua.
Vamos unir esforços para promover um consenso global e ações concretas para enfrentar a pobreza e construir um mundo mais justo e solidário para todos, incluindo aqueles que atualmente são invisíveis.
“Mas entre o concreto e a frieza do mundo
Há um coração que bate, ainda fértil
Sonhando com dias ensolarados e tranquilos
Onde a rua é apenas um caminho a ser feito”
(autor desconhecido)
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