Zé Banana

Publicado por Cíntia Guimarães 27 de junho de 2019

zé banana

Existem tantas pessoas e lugares vivos na minha memória… A homenagem para o Zé Banana agora segue com a foto dele, carinhosamente enviada pela Eloiza Araújo.

Era uma vez, uma pequena e antiga cidade do interior de Minas, onde a terra é de um vermelho reluzente e o sol de uma quentura ardente, que vivia um homem adorado e temido pelas crianças, o Zé Banana.

O Zé Banana era um homem que andava pelas ruas da cidade, com um saco de farinha de trigo ou aniagem que ele sustentava sobre o ombro esquerdo e na mão direita um pedaço de pau, que alguns dizem que era um chicote, mas eu achava parecido com um inocente cajado. Tinha a pele envelhecida, os olhos pequenos, fundos e muito pretos e o nariz aquilino lhe dava bem a aparência de uma ave de rapina.

As crianças dessa cidade acordavam, lavavam o rosto, escovavam os dentes, tomavam o leite trazido pelo Hélio Charreteiro e comiam o pão trazido pelo Zé Padeiro. Os dois faziam suas entregas guiando suas charretes adornadas. A do Hélio repleta de latões de leite, a do Zé, parecia uma casinha encantada de cujos cestos cobertos por panos limpos e coloridos saíam pães ainda mornos e perfumados, que comíamos lambuzados pela manteiga local, que nos juravam ser a melhor do mundo.

Uma a uma, as crianças, após o lanche, iam para o passeio de suas casas, iam se achando, se encontrando, se misturando, se juntando… As brincadeiras eram tantas que rolavam ao longo do dia.

Pique esconde, rouba bandeira, queimada, soldado contra ladrão, maré asa e maré pão, na capital chamados de amarelinha. Doze, pare bola! As campainhas das casas vizinhas soavam invisivelmente, porque as crianças “davam no pé”. Pé esse que quando era de fruta, se transformava em casa e abrigo da meninada sedenta para subir e chupar suas delícias.

Chi i i…Os barquinhos de papelão navegavam enxurradas afora e as crianças, pés descalços nas poças em dias de chuva, alguns mais excitados nadavam naquela água barrenta, mesmo sabendo que iam entrar no chinelo em seguida.

Nessa cidade de casas com alpendres, muros baixos e relógios de parede, dim-dom, dim-dom, o tempo parecia não passar e as crianças não cansar. As mães chegavam nos alpendres e chamavam:

– Oh Fulano, oh Fulana, hora do almoço, do café, do jantar, do banho, de dormir.
– Só mais um pouquinho….

De repente, apontava na esquina … ele!, o homem do saco e do chicote, ou do pau, ou para mim só do cajado, o Zé Banana! Era aquela gritaria da meninada:

– Gente, o Zé Banana!

Não ficava uma só criança na rua para contar o final da história. Todas corriam para suas casas, afoitas, num misto de encantamento, euforia e medo. O Zé Banana era o único ser capaz de colocar a meninada de volta, para dentro de suas casas. Os mais aventureiros sabiam tocar na sua ferida: “Zé Banana, Rolinha morreu!” Sua reação era de choro e de agressividade ao mesmo tempo, e corria atrás brandindo o porrete, ou chicote? Os mais velhos tinham a habilidade de chegar e perguntar de forma respeitosa e compassiva pela Rolinha, que foi o grande amor de sua vida, e o levavam, segundo relatavam, às lágrimas. Dizem que para alguns ele chegava a tirar do bolso uma foto amassada de sua amada. Era como a Dulcinéia del Toboso, amante imaginária do hidalgo Dom Quixote de la Mancha, o lendário personagem de Miguel de Cervantes. Se alguém quisesse provocar a ira del “Quijano”, como era tratado na intimidade, bastava uma desconsideração pela beleza de sua amada. Pois bem, o Zé Banana era o nosso Dom Quixote, desengonçado, anacrônico, aterrorizante e fascinante para a meninada, mas nunca tive notícia de que tenha ido além das escaramuças.

Essa cidade encantada existe, se chama Pompéu. Um dia, o Zé Banana também viveu em Pompéu, de verdade, no mundo real e no mundo imaginário de muitas crianças pompeanas.

Hoje, ele se faz presente nas nossas mais belas recordações, na nossa memória afetiva.

Viva sempre em nossa memória, Zé Banana!

#LudicidadeGeraFelicidade

“Entrou por uma porta, saiu por outra, quem quiser que conte outra.”

Comentários
  • Decio Freitas 2001 dias atrás

    Meus parabéns Cíntia, eu tive o prazer de conviver com o Zé Banana, pois era de dentro da casa de minha avó, se não me engano Tio dela, você o descreveu perfeitamente como era!

  • Marlene Dias Maciel de Assis 2001 dias atrás

    Amei o a história, pois é tão importante ler um texto que você viveu. Eu sou sobrinha neta dele, ele era irmão da minha avó paterna. Ele era muito amado e muito querido por todas nós. Tenho muita saudades dele. Amei ter vindo junto uma foto dele. Conto para meus filhos e netos as histórias dele.

  • Roberto 2001 dias atrás

    Gostei muito.Ele tem alguns parentes aqui em Bom Despacho-MG. Parabéns pela reportagem.

  • Marisa de Fatima Ferreira 2587 dias atrás

    Ze Banana fez parte da minha infancia, e tudo isso ai.

  • Augusto Botelho 2587 dias atrás

    Parabéns a Cíntia Guimarães, que se conheceu o Zé Banana foi muito feliz na narração do belo conto, e se não conheceu foi divina. Perfeito. Eu conheci o Zé Banana e a Cíntia escreveu com riqueza de detalhes. Vou querer ler mais Cíntia Guimarães, que não conheço mas já sei quem é! Abraços. Augusto.

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