Vivemos um tempo de línguas soltas. Adquirimos o direito de falar sobre qualquer assunto, emitir opiniões dogmáticas a torto e a direito e, naturalmente, criticar as pessoas com a máxima acidez. Claro que isto gera problemas, causa inimizades e provoca reações de igual intensidade seja na sociedade em geral, seja na vida eclesial.
Na sexta-feira 4 de setembro, durante uma homilia, o simpático Papa Francisco dizia: “E nos fará bem nos perguntar: ‘Eu semeio paz? Por exemplo, com a minha língua, semeio paz ou semeio intriga?’. Quantas vezes ouvimos dizer de uma pessoa: ‘Mas tem uma língua de serpente!’, porque sempre faz o que o serpente fez com Adão e Eva, destruiu a paz. E isto é um mal, esta é uma doença na nossa Igreja: semear a divisão, semear o ódio, não semear a paz. Mas esta é uma pergunta que nos fará bem fazê-la todos os dias: ‘Hoje eu semeei paz ou semeei intriga?’. ‘Mas, às vezes, é preciso dizer as coisas porque aquele ou aquela…’: o que se semeia com esta atitude?”
Alguém diria: mas como não criticar essa quadrilha que vem roubando o país? Como não falar mal de gente tão depravada? E como fica o espírito crítico, tão elogiado na educação dos anos 80?
Claro, há um gostinho especial em falar mal dos outros. Dizem os psicólogos que assim nós nos compensamos por nossos próprios defeitos.
Mas vale a pena ver a atitude de Maria de Nazaré, neste diálogo com José, que pode ser lido no livro “A Sombra do Pai”, do autor polonês Ian Dobraczynksi:
– Miriam – começou ele timidamente.
Ela deixou o que estava fazendo e aproximou-se da oficina.
– Precisas de algo, José?
– Não sei se ouvistes… Esta manhã, um mensageiro leu na cidade um decreto real…
– Ouvi a trombeta, mas não desci. De que se tratava?
– Foi proclamada a ordem para que todos, neste mesmo mês, se apresentem em seu local de nascimento para se inscreverem nos livros de família.
– Para que precisam inscrever-se?
– A inscrição será equivalente a prestar um juramento de obediência ao imperador romano.
– O que achas disso?
– Parece-me que não há motivo para indignar-se, como fazem alguns… Nossos próprios reis solicitaram outrora a proteção de Roma. Os romanos são pagãos. Mas não nos impõem seus deuses. Permitem que vivamos em nossa fé e nossos costumes. Graças a eles, acabaram-se as guerras…
– Se nos protegem das guerras, eles nos dão muito…
– Apoiam o rei Herodes e ele, em agradecimento, exorta a prestar este juramento. Aqui, o rei Herodes é odiado por todo mundo…
– Como deve doer-lhe saber que está rodeado por semelhante ódio! O homem odiado pelos outros muitas vezes se torna mau por culpa desse ódio.
– Entretanto, já o sabes, ele mandou colocar uma águia de ouro na parede do Templo. Pegou o ouro do túmulo do rei Davi. Mandou executar a rainha Mariamme e, em seguida, aos seus filhos…
– Já que fez tantas coisas más, é preciso rezar muito por ele…
José calou-se um momento. Mais de uma vez, ele ouviu que era preciso rezar para que o Altíssimo castigasse Herodes por seus crimes. Entretanto, parecia-lhe melhor o desejo de sua mulher de rezar pelo rei malvado, mesmo que ele não tivesse sido o primeiro a dizê-lo. De novo José teve a sensação de que era ela quem o levava por um caminho ao mesmo tempo ousado e cativante.
* * *
Caminho ousado. Rezar pelos maus. Morder a língua. Maria e Francisco não receberão muitos aplausos…