Estou lendo um livro de filosofia publicado em 1943, em plena guerra mundial. O autor é Jacques Maritain, conhecido filósofo francês de linha tomista. O livro é “Sort de l’Homme” [O Destino do Homem] e foi encontrado em um sebo de Belo Horizonte, graças à mediação da Estante Virtual.
Deixo de lado o conteúdo da obra – aliás, excelente! – para meditar longamente sobre um pormenor físico do mesmo livro. De capa a capa, o volume traz um furo circular com o diâmetro aproximado de 2 a 3 milímetros. Algum ser vivo, talvez um cupim, atravessou-o com gula e saiu no lado oposto sem deixar vestígio.
Examino com mais atenção e vejo que, em seu trajeto, o visitante mordeu palavras de profundo significado para a civilização ocidental: alma, homem, pensamento, cultural, psicologia, natureza e humano, entre outras.
A seguir, ponho-me a filosofar. Que proveito terá extraído o verme faminto de sua aventura bibliofágica? Teria, talvez, encontrado um sentido para sua vida de inseto? Ou terá mergulhado em profunda depressão ao perceber seu desnível em relação aos seres humanos? Ao contrário, o perfurador de livros pode ter saído da contracapa feliz e satisfeito por não ser membro dessa raça que fabricas obuses e canhões…
Nada disso! Algo me diz que o cupim (ou teria sido a traça?) saiu exatamente como entrou: de barriga cheia e alma vazia. Sim, por que um cupim não teria alma? Aliás, também têm alma aqueles fiéis que vão ao templo e ouvem longas exposições e comentários sobre a Sagrada Escritura. Muitos deles já leram a Bíblia de capa a capa, autênticos cupins da divina revelação.
E qual será o resultado dessa exposição à Palavra de Deus, quando somos convidados, como o foi o profeta do Antigo Testamento, a devorar o rolo sagrado: “Come o livro que aqui está!” (Ez 3,1)
Teria o fiel, talvez, encontrado um sentido para sua vida de ser humano? Ou terá mergulhado em profunda depressão ao perceber seu desnível em relação aos profetas e patriarcas, obedientes e cumpridores da Lei?
O leitor me perdoe se pareço brincar com coisa séria. É que a condição humana muitas vezes oscila em uma linha divisória que tanto pode merecer lágrimas quanto gargalhadas. A vida nos é dada como um livro a ler. Mas teria sido inútil a aventura existencial se, terminada a leitura, continuássemos no mesmo estado de ignorância em que nos achávamos ao início.
Depois de passar pelo tempo, deixaremos algo mais que um furo na matéria?