Não é possível ser cristão sem ser político.
Tanto os cristãos quanto os políticos mantêm seus olhos voltados para um Paraíso. No caso do comunismo, seu paraíso devia ser construído aqui na terra, em plena História, por meio de uma sociedade sem desigualdades sociais e econômicas. Na concepção cristã, o Éden situa-se além da História, mesmo que tecido de tempo, semeado já na terra, o Paraíso só será pleno na eternidade.
As duas visões têm consequências práticas. A principal consiste em definir onde se situa o poder. Isto é, a quem se deve obedecer e prestar contas. Stalin e Hitler mostram como o poder pode ser concentrado nas mãos de um líder de carne e osso, revestido de indiscutível soberania, acima e além dos ditames da razão, da moral e do direito, com direito a culto e liturgia.
Desde o início do Cristianismo, quando o catecúmeno pedia o Batismo, reconhecendo a Jesus Cristo como único Senhor, já sabia que o martírio era uma questão de tempo. Ter a Jesus como Senhor significava negar a César, o Imperador, o culto divino que todos os cidadãos lhe prestavam. A fé em Jesus Cristo excluía qualquer outro senhorio.
De fato, os cristãos sempre foram cidadãos de primeira classe, pois tinham motivação adicional para cumprirem as leis, além de exercer a solidariedade, a partilha e, de quebra, rezar pelas autoridades constituídas. Sabendo que são peregrinos neste mundo, habitando em tendas, diria o apóstolo Paulo, sempre em marcha para a Cidade celeste, os cristãos podem relativizar a busca pessoal de segurança, do bem-estar e da felicidade terrestre, que os pagãos procuram como fim último.
Esta relativização das realidades terrenas, inclusive da política, não faz do cristão um selenita, desligado de seu meio, indiferente à vida social e econômica. Ele apenas vê tudo isso como mediações passageiras e provisórias. Em especial, vivendo sua dignidade de filho de Deus e conhecendo a magnitude de seu destino, o cristão sabe que nada ou ninguém – exceto Cristo – pode exercer sobre ele alguma modalidade de poder absoluto.
Por isso mesmo, todo governo absolutista sempre perseguiu e perseguirá! os cristãos, sentindo-se claramente ameaçado por eles. Os alicerces do poder sentem-se abalar por homens e mulheres que não pertencem exclusivamente ao Estado, ao partido, à comunidade, à nação. Como são incômodos os cristãos que professam e vivem a liberdade derivada do fato de que só Deus é Senhor de sua vida!
O próprio Pilatos, no julgamento de Jesus, só cedeu à pressão dos chefes judaicos quando estes o ameaçaram com o fantasma do Imperador: “Se não o condenas, não és amigo de César!” Assim, Jesus era apresentado como um perigo potencial para o Império Romano: ficar do lado de Jesus era posicionar-se contra César…
Ora, o próprio Mestre já havia passado a receita para seus discípulos: “Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. Ao pequeno poderoso, que é César, uma obediência relativa, dentro dos limites da moral e da lei de Deus. Ao Absoluto, que é Deus, obediência absoluta, mesmo ao preço da própria vida. Isto explica que o Séc. XX e não os tempos da Roma Imperial tenha sido o campeão em número de mártires da fé cristã, aqui incluídos os fiéis sacrificados aos deuses nazistas, ao catecismo comunista, à loucura de Pol Pot e ao fundamentalismo do Islã.
Enfim, se em algum lugar o cristão não sofre perseguição, limitações ou prejuízos, mau sinal! Isto se explica porque o seu evangelho, com minúscula, terá sido adocicado e os infiéis tornaram-se inofensivos e… infiéis. Tanto que, a julgar pelas evidências, vivem como os pagãos, adoram seus ídolos, veem seus programas, adotam seus valores e, afinal, morrem como pagãos…