Alguém tosse na escuridão…

Publicado por Carlos Scheid 16 de outubro de 2014

boi

Já era quase madrugada quando acordei com um barulho estranho. Não era o despertador, que dormia profundamente. Não era algum pernilongo, pois àquela hora o inseto volante já estaria calmo e satisfeito com o bucho bem cheio do meu sangue “O” positivo. Não lembrava gatos no telhado nem a passagem de algum motoqueiro boêmio. Que seria?

Quando deixei a capital mineira e vim para o interior, imaginava em minha inocência que jamais teria meu sono prejudicado por ruídos noturnos, como a sirene das ambulâncias, a matraca dos veículos da polícia ou os foguetes dos traficantes. Ledo engano!

Confesso que não era um ruído comum. Parecia uma espécie de engasgo, ou mesmo um instrumento musical mal soprado por um principiante. Algo rascante, um tanto gutural, pobre em harmônicos.

Como o ruído continuasse, resolvi averiguar. Abri a janela e olhei na direção do pasto. Julguei divisar uma sombra que se movia a meia distância. Seria um ladrão de gado? Seria um gambá gigante à procura de galinhas sonolentas? Minha curiosidade só aumentava…

Ainda estremunhado de sono, pensei em voltar para a cama e retomar o sonho interrompido. Afinal, antes de ser acordado pelo estranho barulho, eu sonhava com uma pescaria logo abaixo do lago de Três Marias, e os trêfegos dourados estavam cabriolando na correnteza.

Vesti uma suéter, abri a porta e saí no arzinho frio da madrugada. Lanterna em punho, fui até a cerca e projetei o facho luminoso para o terreno vizinho. Lá estava ela: a vaca holandesa, magra e desnutrida. Era ela. E a vaca tossia. Teria engasgado com alguma erva daninha? Ou seus brônquios delicados teriam sido afetados pelas geadas deste inverno?

Não importa. Após verificar que nenhuma ameaça se aproximava, entrei em casa e fui dormir. Já deitado, fui subitamente assaltado por uma evidência sólida como as muralhas de Jericó: a vaca tossia! E essa tinha sido exatamente a impossibilidade aventada por um candidato à presidência. E se a vaca tossia, tudo era possível!

Rezei um crendeuspadre e telefonei para o Augusto:

– Cara, a vaca tossiu!

– Ora – respondeu o Augusto -, então você me acorda de madrugada para só dizer que cava tossiu?

– Tossiu mesmo! Juro que tossiu!

– E daí? Que é que eu tenho com isso?

– Ora, Augusto, é o Apocalipse…

– Vai dormir, Carlos! Vai dormir! E procure beber menos, pois o delirium tremens não demora…

E desligou.

Perdi o sono. A eleição estava próxima. A vaca tinha tossido. Quem nos salvará?

Consulte: http://www.dicionarioinformal.com.br/nem%20que%20a%20vaca%20tussa/

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