Na esquina de nossa rua, revejo um antigo vizinho. Ele sorri e me cumprimenta:
– Você, sempre airoso, hein?
Achei que fosse um elogio amistoso e agradeci. Seguindo caminho, porém, veio-me a dúvida: seria mesmo um elogio ou o tipo estava com alguma ironia para cima de mim?
Corri ao dicionário. Lá estava: airoso: Do espanhol airoso, Adjetivo, gracioso de movimentos, elegante na aparência, garboso.
Aceitei o elogio. Por que não? Até me senti mais airoso do que nunca, andei mais aprumado, apesar das dobradiças enferrujadas dos 65 anos.
O fato me fez pensar. Qual é o poder dessas palavras meio esquecidas no dicionário que, uma vez invocadas, trazem à vida um novo sal? Talvez elas conservem antigas vitaminas, velhos elixires, que a pós-modernidade ignora sem saber o que está perdendo.
Lembrei-me, então, da semana anterior, quando passei por meu primo e perguntei:
– Como vai a Tia Rosa?
A resposta veio rápida, com um traço emocional incontido:
– Ih! A velha está difícil… Cada vez mais pernóstica!
Lá estava uma daquelas palavrinhas carregadas de mistério, fora de moda, diria, mas capaz de remexer com o nosso inconsciente.
Voltei ao dicionário. Pernóstico?
O Aurélio, paciente, explica: Do s. ant. pronóstico, indivíduo petulante, espevitado, com troca de prefixo, poss. Adjetivo, 1. Presumido, afetado, pretensioso, pedante. 2. Espevitado, repontão. 3. Diz-se de pessoa que gosta de empregar termos difíceis, os quais, frequentemente, desconhece.
– Puxa! – matutei. Então a Tia Rosa é assim?!
Claro, o leitor não conhece a Tia Rosa. Rosa Amaryllis (ou Amaryllis Rosa? Sempre faço confusão com as flores…) já encostou nos 90 e decidiu que está alforriada, não precisa mais dar satisfações a ninguém. Isso pode incomodar os mais próximos, como meu primo informante.
Não vem ao caso. Voltemos à palavra. Pernóstico. Notei que o Aurélio não tem muita certeza da origem do vocábulo. Daí a abreviatura “poss.”, de possível. Era apenas uma possibilidade.
Por isso mesmo, passei um e-mail para o Menezes. Sabe de tudo o Menezes. Ex-seminarista, daqueles seminários antigos onde se aprende de fato, o Menezes recebeu minha pergunta: – Qual a origem da palavra pernóstico?
Antes da meia-noite, recebo a resposta:
– Saudações atleticanas! Pernóstico vem de “perna”. Acha estranho? Pois havia um tipo de caligrafia antiga, toda enfeitada com arabescos, volutas e rococós. Caligrafia “cheia de pernas”, amigão. Era uma coisa complicada e, mesmo, de discutível estética. Ficou como um qualificativo para pessoas igualmente complicadas, como essa gente que vive querendo saber a origem das palavras. Gente metida a saber tudo, falar difícil, com um discurso cheio de prosopopeias. Sacou?
Saquei. Encaixei o golpe no fígado e embatuquei.
No fundo, eu queria mesmo era devolver o correio eletrônico com outra pergunta:
– E o que são prosopopeias?
Mas me contive e não fiz a pergunta só para não ser rotulado de pernóstico.
Duas e quinze da madrugada, acordo com uma questão roendo meu cérebro:
– Que são prosopopeias?
Não houve jeito. Levantei-me da cama e fui ao dicionário. E o Aurélio, sempre insone pelas madrugadas, deu-me a resposta prontamente:
– Prosopopeia: Discurso empolado ou veemente. Entono, vaidade.
Então, era isso… Discurso de político baiano, falando difícil para impressionar. O Menezes fica me devendo esta… Vai ter troco…
Mas vou parar por aqui, antes que o leitor me diga:
– Carlos, chega de prosopopeias!!!