Meu sobrinho Serafim – Fininho, para os íntimos – está pensando em casamento. Até ficou noivo no mês de setembro. Sabem como é: primavera chegando, passarinhos cantando, as árvores brotando, os hormônios também trabalham e condicionam as humanas decisões…
Pois o Fininho esteve de visita à sua avó, Siá D’Ajuda, lá no arraial da Figueira Velha. Claro, o leitor não sabe onde fica. Mas pode imaginar: uma curva do Rio Verde, depois de Varginha, um bando de capivaras aninhadas na margem, uma pequena chácara toda sombreada de mangueiras centenárias, um terreiro de chão batido onde o café secava na década de 40.
Siá D’Ajuda cresceu ali, colhendo café, ralando mandioca e debulhando milho na mão calejada. Por isso mesmo, é diplomada em vida e sabe muito bem das coisas que têm importância neste planeta ingrato.
O Fininho chegou por lá na sua camionete empoeirada, respirou bem fundo o ar puro daquelas paragens e chamou na porteira:
– Ô de casa! Ô de dentro!
Um vulto magro apareceu na janela, enxotou dois vira-latas que se assanhavam contra a visita, e respondeu com voz fraca:
– Ô de fora! Se é de paz, vamo’ chegá!
Claro que era de paz. O neto chegou, se apresentou e ganhou um abraço apertado de Siá D’Ajuda.
Entraram, veio um suco de pitanga e a prosa começou.
– Vovó, a senhora sabe que fiquei noivo?
– Divera? De que família é a noiva?
– A família ainda não conheço, é minha colega na faculdade. O nome dela é Brigitte…
– Brigitte?! Parece nome de gato…
– Não gostou do nome?
– Ói, fio… Aqui na roça, as muié chama Socorro, ‘Parecida, Dilurde, Rosário… Tudo com Maria no princípio!
– Pois é, vó, lá na cidade as coisas são diferentes. Coisas da globalização…
– Coisa de quê?!
– Do mundo moderno, vó, que tem muitas novidades…
Siá D’Ajuda tirou do bolso o cachimbinho de ágate, pegou uma brasa do fogão de lenha e logo, logo, tirou a primeira baforada. Olhou bem pra cara do neto, apertou os olhinhos de jabuticaba e perguntou:
– A moça é prendada?
– Como assim, vó? – perguntou o Fininho.
– Ora, ora… Ela sabe cozinhar? Sabe lavar roupa? Sabe bordar ponto de cruz, ponto cheio, bilro, fuxico, nhanduti?
Fininho não sabia o que dizer. Apenas balbuciou:
– Vó, a Brigitte é comunicóloga.
– Que isso, meu fio?! Ela é doente?
– Não, vó, ela é especializada em comunicação. Essas coisas de imprensa, de televisão, de mídia… Tudo que é ligado às notícias…
– Ah! Bão… Aqui na Figueira Velha já teve gente assim, que vivia dano notícia da vida dos ôtro… É uma praga, né?
Fininho achou que não devia insistir. Fez silêncio, enquanto um papa-terra curioso veio ciscar na soleira da porta. Mas a velha avó continuava preocupada com o futuro do neto.
– Essa moça, meu fio… Inda que mal pergunte, ela é boa parideira?
– O quê, vó?! – assustou-se o rapaz.
– Ó, quem casa qué fio… A muié tem que sê parideira…
– E como é que eu vou saber, vó? Ainda não casamos…
– Ora, é só oiá bem ansim: a cintura pode sê fina, mas o balaio é bem grande…
– Balaio, vó?
– É, balaio… As anca ansim bem larga, com o violão bem grande, pra cabê os bacorinho, uai!
Fininho não sabia se ria ou chorava. O café já tinha fervido na chapa do fogão. A velha serviu um xarope ralo, adoçado com garapa. O rapaz bebeu o café e se despediu. A avó seguiu o neto com um longo olhar, até a curva do caminho.
Estrada a fora, Fininho seguia pensativo. Será que ele tinha escolhido a noiva certa?…