A cura que dói

Publicado por Carlos Scheid 22 de outubro de 2015

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Quem conheceu o Dr. Márvio sabe que ele foi o cirurgião número1! Jamais perdeu um paciente. Quando um caso parecia sem solução, os colegas empurravam para ele a batata quente. Ele ria baixinho e atacava, sem um tremor nas mãos.

Tratava-se de uma vocação precoce. Desde a infância, Marvinho causava impacto na família quando era flagrado com um sapo já estripado ou um preá transformado em exemplar anatômico. Os pais não sabem, mas nem mesmo o gato angorá do vizinho escapou à sua curiosidade por vísceras e vértebras!

Nem de longe estou sugerindo que seja necessária uma dose de sadismo para alguém se dedicar à cirurgia, esse conjunto de técnicas inauguradas pelos barbeiros dos antigos exércitos. É só uma questão de sensibilidade ausente. Afinal, um estudante de medicina que não pode ver sangue terá brilhante carreira como operador de raios-X…

E agora que o amigo Dr. Márvio já não está entre nós, não irá protestar se nos lembrarmos dos procedimentos médicos de antanho. O enfermo chegava ao hospital quase estrebuchando e o causídico receitava uma bela sangria. E se o leitor não se recorda das sanguessugas receitadas pelo médico, saiba que – garante a Wikipédia! – recentemente as sanguessugas voltaram a ser utilizadas em medicina em casos de grandes dificuldades circulatórias em membros, visto que a sua ação sugadora força o sangue a circular, ajudando a manter vivas as células.

Um leigo como eu até poderia julgar mal os cirurgiões quando eles pretendem curar nossos males com uma cauterização (em geral, sem anestesia) ou livrar-nos da agitação interior com uma sessão de eletrochoques. Mas não se trata disso. A ânsia de curar pode mesmo levar alguém a pequenos excessos.

Ou alguém desconhece que, com frequência, os novos medicamentos terão nos pacientes humanos a prova final de sua utilidade, transformando-nos em cobaias inconscientes? É recente o caso do “Vioxx”, que foi livremente receitado nos EUA durante 18 meses e, após uma pequena enxurrada de infartos do miocárdio, acabou retirando-se “voluntariamente” do mercado. Parece que, no Brasil, a Anvisa apenas o colocou entre os fármacos controlados. Mas o Brasil não conta mesmo, não é?

Volto ao amigo Márvio, que foi o campeão no campo cirúrgico. Nada lhe dava mais prazer que uma rápida laparotomia exploratória: mesmo que não achasse nada que justificasse o bisturi, sempre poderia contemplar mais uma vezinha as entranhas do bicho-homem. Em nossos bate-papos na farmácia do Maurício, ele encerrava cada caso com a mesma observação:

– E por que você pensam que o paciente tem esse nome?

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