Aparentemente, ter relações sexuais com alguém com quem temos um bom relacionamento afetivo desde meses ou anos, é o oposto de sentir-se só. Porém a intimidade dos corpos, por prazerosa que seja, não é o mesmo que intimidade afetiva. Dentro de uma relação homem mulher de longa duração a vida sexual pode ter significados muito diferentes dependendo do momento. Doloroso se torna quando a maior parte das relações sexuais ficam afetivamente empobrecidas. Nos sentimos sós.
Aquela pessoa veio deixando de ser importante para nós e nesta situação que é a mais íntima corporalmente que duas pessoas podem vivenciar, nos sentimos não íntimos afetivamente. Terminada a relação sexual podemos sentir o desejo de nos afastarmos, de sair de perto da pessoa, ou mesmo começamos a nos lembrar de tudo que nos afasta dela: mágoas, frustrações, decepções.
Se este sentimento torna-se dominante nas situações eróticas, é sintoma de grave crise na relação a dois, e pode levar-nos a um rompimento afetivo concreto. Quando o prazer sexual torna-se vazio de ternura, bem querer, amor, desumanizamos a vivência erótica. Aquela pessoa que um dia pode ter sido tão significativa para nós vai se tornando uma estranha. A confiança está quebrada. A alegria de conviver vai desaparecendo.
É apenas quando a sexualidade está permeada por um vivo sentimento de amor, que podemos ‘fazer amor’. Só assim existe a possibilidade de um encontro, só assim a dolorosa solidão da condição humana é aplacada por algum tempo num ambiente tão doce e aconchegante. Por mais prazeroso que o sexo possa ser em si, quando não está permeado por forte sentimento de amor é impotente para romper a casca da solidão. Ficamos corporalmente gratificados e aliviados, mas a dor da solidão, consciente ou não, permanece dentro de nós.
É claro que nenhum de nós tem o poder de acordar em si, por um ato de vontade, um forte sentimento de amor por alguém. Podemos conviver com alguém numa relação amorosa por longos períodos, iluminados com maior ou menor freqüência pela luz, doçura e calor do amor. Se esta vivência se torna rara, ou ausente, continuamos dentro da prisão da solidão. Pode ser confortável e útil viver com alguém, conversar, dividir tarefas práticas. Mas sem a alegria de amar este é um pobre encontro.
Existem casamentos que duram décadas, onde o amor, ou não mais existe, ou nunca existiu. Não nos compete julgar as escolhas que duas pessoas fazem e que motivos têm para viverem juntas. Muitos preferem pouco do que nada. Ter a presença física de alguém no lar para muitos já alivia um pouco a dor da solidão, dá um sentimento de proteção. Mas para aqueles que, por períodos mais ou menos longos tiveram a alegria de vivenciar as delícias de um profundo encontro de amor recíproco, não é fácil conformar-se com a perda. A dor da ausência, da saudade, o anseio pela volta ao paraíso perdido mantém-se latejando, pulsando regularmente.
A vivência da alegria de rompermos a casca da solidão e nos sentirmos amplos, fundidos e integrados em algo maior, em comunhão, não é exclusiva das situações de amor erótico ou de uma relação afetiva intensa entre duas pessoas. Na natureza, na música, no esporte, lendo, escrevendo, orando, meditando – em quase todas as situações da vida é possível vencermos a prisão do isolamento, do egoísmo, e transcendermos a aridez e nossos próprios limites e pequenas e grandes preocupações. Mas é inegável que ansiamos todos por um encontro humano, pela comunhão feliz, intensa e amorosa com outro ser humano.
Como tudo que é grandioso e importante na vida, esta vivência depende de vários fatores. De nossa coragem, capacidade de entrega, desprendimento, generosidade, aspiração. E depende ainda de fatores que estão fora de nosso esforço e dedicação. Uns chamam de sorte, outros de destino. Para aquele que aspira e se prepara corretamente, a bênção, o milagre, de novo e de novo ressurgirá, quando a vida julgar que estamos férteis para sermos de novo fecundados pelo transcendente.
Termino com uma citação da autobiografia do filósofo inglês Bertrand Russel (Premio Nobel de Literatura 1950):
‘Busquei primeiro o amor, porque ele produz êxtase – um êxtase tão grande que, não raro, eu sacrificava todo o resto da minha vida por umas poucas horas desta alegria. Ambicionava-o ainda, porque o amor nos liberta da solidão – essa solidão terrível através da qual a nossa trêmula percepção observa, além dos limites do mundo, esse abismo frio e exânime. Busquei-o finalmente, porque vi na união do amor, numa miniatura mística, algo que prefigurava a visão que os santos e poetas imaginavam. Eis o que busquei e, embora isso possa parecer demasiado bom para a vida humana, foi isso que – afinal – encontrei.’
Comentários
Carlos, percebo que hoje as pessoas da classe média mais alta nas grandes cidades, não têm dúvida de querer morar sozinhas, segundo dizem é uma opção mais antiga nas cidades maiores, e que vai chegando nas menores. Qual a causa disso, estamos diante de um novo tipo de familia, a familia nogamica?
Vanessa, recordo-me de uma reportagem que li na revista Veja, há vários anos, sobre as pessoas que vivem sós.Diziam que em vários países do norte da Europa, nos assim chamados nórdicos, 40% da pessoas moram sós. Os latinos são mais gregários, se agrupam preferencialmente. Não sei se você é casada, ou já foi. Morar junto com alguém, dentro de um casamento é a relação mais difícil que existe. Não sem motivo há tantas separações ou casamentos infelizes.Na medida em que nossa época foi se livrando das amarras de costumes antigos e de proibições religiosas, as pessoas vão se descobrindo livres para experimentar novas formas de relacionamento humano. Talvez você tenha notado que com frequencia as pessoas são mais felizes durante o período de namoro do que depois que casam. Já ouvi esta constatação inúmeras vezes. Quanto mais frequentemente encontramos com alguém, quantos mais interesses e tarefas dividimos com esta pessoa, mais os defeitos de ambos aparecem, mais os atritos aumentam, aumentando também o sofrimento e as decepções. Quem nunca se casou não tem como saber com precisão o que terá pela frente, de modo que só experimentando para ver. Mas entre aqueles que experimentaram e sofreram muito alguns tornam-se muito cautelosos em dividir o mesmo espaço novamente com quem estiverem envolvidos de modo erótico afetivo. O período probatório do namoro pode se estender por muitos anos ou mesmo se cronificar.Ou seja ‘acho que damos certo como amantes e namorados, mas tenho fortes dúvidas se seríamos felizes vivendo juntos, tendo apenas uma moradia para ambos’. Há algumas décadas atrás, as pessoas que tinham vida sexual antes do casamento procuravam ser discretas, pois isto pesava negativamente na reputação das mulheres. A exigencia de virgindade feminina para o casamento ainda vigorava com força várias décadas atrás. Hoje a vida sexual é livre e fácil para namorados, noivos, ‘ficantes’ ou para aqueles que buscam relações sexuais fora da relação principal. O premio que os homens e mulheres buscavam no casamento antigamente, ou seja permissão da sociedade para uma vida sexual intensa e fácil, hoje está disponível para qualquer um, casado ou solteiro. Este incentivo para o casamento não existe mais. As pessoas tem vida sexual de casados, se quiserem, mesmo morando em casas separadas, e ninguém é estigmatizado por isto – pelo menos nas grandes cidades. Em geral, os homens tem mais receio do casamento do que as mulheres. A questão da liberdade de ir e vir é um tema muito mais intenso na natureza masculina do que na maioria das mulheres.Quando um homem mora só e tem também um intenso laço afetivo erótico com uma mulher, pode ter pouco incentivo para o casamento, porque vai perder parte de sua liberdade e será muito mais vigiado e terá que prestar contas de suas atividades muito mais intensamente do que se continuar morando só. Se ele já teve um casamento e se sentiu sufocado, tem um motivo a mais. É claro que esta opção será preferencial para homens experientes que não sejam fortemente ciumentos, porque a liberdade e a dificuldade de controle e vigilância será recíproca.
Acredito que para quem tem filhos com o seu atual companheiro o casamento, em geral, será uma melhor opção para o bem estar dos filhos e para sua educação. Mas não podemos fazer disto uma lei férrea. Tem casamentos tradicionais onde um dos conjuges, com frequencia o homem, trabalha viajando e se ausenta por longos períodos. De uma certa forma é uma versão modificada de um casal que vive em casas separadas, porque se um dos dois está fora a maior parte do tempo em outras cidades ou na estrada, por motivos profissionais, o resultado é muito parecido com morar na mesma cidade em casas separadas.
Eu sei que este tema é muito mais incômodo para a maioria das mulheres, mesmo que já tenham sido muito infelizes em um casamento anterior, porque quase sempre a mulher desejará viver no mesmo espaço que o homem que ama, mesmo que, cautelosa, demore bastante na avaliação do mesmo até chegar lá. Quase sempre as mulheres são mais fusionais do que os homens, e não há nada errado nisto. São diferenças importantes entre homens e mulheres e que devem, na medida do possível serem conciliadas por duas pessoas que se amam eróticamente. Cada casal tem que descobrir a receita possível para ambos, sem que ninguém se sinta intensamente frustrado. O que na prática nem sempre é fácil …..
Este foi um texto que tive vontade de compartilhar compartilhar….
Reescrevo esta parte que destaquei:
“Quando o prazer sexual torna-se vazio de ternura, bem querer, amor, desumanizamos a vivência erótica. Aquela pessoa que um dia pode ter sido tão significativa para nós vai se tornando uma estranha. A confiança está quebrada. A alegria de conviver vai desaparecendo.
É apenas quando a sexualidade está permeada por um vivo sentimento de amor, que podemos ‘fazer amor’. Só assim existe a possibilidade de um encontro, só assim a dolorosa solidão da condição humana é aplacada por algum tempo num ambiente tão doce e aconchegante. Por mais prazeroso que o sexo possa ser em si, quando não está permeado por forte sentimento de amor é impotente para romper a casca da solidão. Ficamos corporalmente gratificados e aliviados, mas a dor da solidão, consciente ou não, permanece dentro de nós.”.