Salvar ou Romper

Publicado por Carlos Bitencourt Almeida 30 de março de 2023

Em resposta à leitora Mariana Porto.

Conheci uma jovem mulher, que nessa época tinha mais de 80 anos, que havia se casado tardiamente, após a idade em que poderia ter filhos. Após alguns anos de casamento descobriu que o marido tinha uma amante e ao longo dos anos ele teve alguns filhos com esta amante. O casamento sobreviveu, sem nunca tornar-se destrutivo. Disse-me ela: ‘Esta mulher deu a ele os filhos que ele queria ter e que eu não poderia dar-lhe’. Estão casados há mais de 30 anos e a relação entre ambos permanece construtiva. Sente-se amada e respeitada, desfruta o que seu marido pode oferecer-lhe e não exige dele o que ele não tem para dar-lhe. É uma pessoa alegre, leve, cheia de gratidão pela vida, embora a vida dela não tenha sido nada fácil desde a juventude. Eu a chamo de jovem mulher de mais de 80 anos, porque conseguiu o que poucos conseguem: manter-se jovem, apesar do envelhecimento corporal.

Conheço outro casal, que após ter estado casado por muitos anos e ter tido filhos, separou-se. Viveram muitos anos afastados, tiveram relacionamentos erótico-afetivos de longa duração com outras pessoas e depois voltaram a viver juntos. Estão novamente juntos há muitos anos em boa harmonia.

Um terceiro exemplo: um casal viveu junto muitos anos. Continuando a viver na mesma casa, romperam o laço erótico entre si por vários anos e tiveram laços de namoro com outras pessoas. Após alguns anos voltaram a viver como marido e mulher.

Dei três exemplos extremos e talvez chocantes de casamentos que foram salvos, sobreviveram construtivamente. É possível salvar um casamento em crise? Às vezes sim, embora o caminho pode vir a ser bastante acidentado.

Você me pergunta sobre almas gêmeas. Eu prefiro usar outros termos. Existem encontros entre homem e mulher que despertam emoções profundas, uma intensa vivência de reconhecimento, de reencontro, a sólida certeza de um antigo laço de amor feliz que vem do mistério. Há pessoas que jamais vivenciam isto. Outros apenas uma vez na vida. E outros ainda vivem encontros assim com várias pessoas ao longo da vida. É uma benção, um presente que a vida nos dá.

Isto não quer dizer que devemos casar com esta pessoa, ou que estando casados com ela, temos que permanecer para sempre, obrigados pelo carma. A alegria de amar pode ser vivida de várias maneiras. Creio que esta vivência, quando autêntica, revela um laço de amor que dura para sempre. Significa então ser fiel a este amor ao longo da vida, mantendo-se aberto, para acolher, proteger, conviver, apoiar esta pessoa. Amor e responsabilidade andam juntos. Nada nos obriga. Eu amo e quero o bem desta pessoa. Quero, se possível, ela perto de mim. Mas necessito que, se ela estiver junto a mim, é porque a faço feliz, ela se sente bem.

Se eu sentir este vínculo profundo com algumas pessoas, não há como casar com todas. Podem ser amores sucessivos. O fim do laço de amor erótico não precisa ser a raiva ou a indiferença. Pode ser uma amizade autêntica. É raro encontrar-se isto, mas não é impossível.

Queremos a estabilidade, a certeza, um futuro garantido no campo dos laços amorosos entre homem e mulher. Mas viver é perigoso. A vida dá e toma. Somos intensamente felizes com alguém por um longo tempo e depois a perdemos, ou o nosso desejo de manter este tipo de vinculo se modifica. Por estranho que possa parecer, é dentro de nós que podemos encontrar segurança, estabilidade, certeza, confiança. É por uma busca interior incessante que podemos descobrir alicerces espirituais inabaláveis. A vida ao nosso redor é sempre movimento, fluxo, ir e vir, ganhar e perder. Mas pode ser vivida com gratidão, alegria, apesar de todo o sofrimento que às vezes temos que suportar. Talvez uma das maiores alegrias da vida seja ser capaz de olhar para a própria história e sentir-se leve. Sentir que o sofrimento ou foi irrelevante, superficial, ou então que germinou em frutos positivos, sabedoria, doçura interior.

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