Há pessoas que acreditam que se atualmente tem problemas e dificuldades psicológicas é porque carregam algum trauma de infância do qual não se lembram e chegam ao psicólogo e dizem que querem fazer uma regressão para descobrirem o que é. De fato isto pode acontecer. Tudo que foi muito intenso emocionalmente em nossa vida, seja um fato muito bom ou muito ruim, pode deixar marcas que nos transformam e que podem influir no nosso comportamento. Voltar ao passado esquecido pode não ser um processo fácil e rápido. Às vezes a lembrança começa a voltar como algo vago e distante. À medida que os anos ou meses passam, a mesma lembrança pode retornar, cada vez mais clara, mais forte, com mais detalhes, e, o que é mais importante, cada vez a emoção vivida no passado vem com mais intensidade e clareza. Tem pessoas que chegam a sentir como se tudo estivesse acontecendo de novo, ali naquele momento.
Cada vez que uma lembrança importante é recuperada, junto com a dor, medo e tristeza que possam ter sido revividos, vem um sentimento de alívio, de calma, de energia. Uma lembrança importante guardada no esquecimento é um pedaço de nossa alegria e vitalidade que desapareceu. Recuperá-la é completar-se, fortalecer-se, ter mais energia e disposição para a vida.
Outras vezes a pessoa se lembra de seus traumas, mas a emoção não vem. É como se tivesse acontecido com outra pessoa. O esquecimento tem gráus. É uma defesa inconsciente, um muro que construímos tentando ficar livres do que nos fez mal. A pessoa pode esquecer tudo, ou apenas o sentimento, a dor, medo. Também aqui pode ser necessário que o sentimento descongele, exploda, transborde. Sem isto ficamos presos, sufocados.
Muitas vezes a pessoa lembra de tudo, fatos e sentimentos, mas não resolve. Tem pessoas que nunca esqueceram seus traumas. São uma ferida aberta, consciente, viva, que nunca cicatrizou. O caminho aqui é outro. Não basta lembrar. O que nos traumatiza não são os fatos. São nossos sentimentos e atitudes diante dos fatos. Aquilo que é traumático para alguém, pode ser facilmente superável por outro. Tem pessoas que ficam estagnadas no sentimento de raiva, revolta, desejo de vingança, tristeza, culpa. Podemos ter sido vitimas de um passado traumático, mas estacionar na posição de: “pobre de mim, veja só o quanto eu sofri”, não leva a nada, a não ser a uma vida desperdiçada, destrutiva e vazia. É preciso querer viver, saber que a vida ainda pode nos proporcionar alegria e crescimento, desde que trabalhemos para isto.
Comentários
Marina, de fato estudei com cuidado a obra de Carlos Castaneda.Cada um deve perguntar a si próprio a medida de suas forças.Tudo que é possível através da ajuda de um terapeuta é também possível a sós. Depende do ponto de maturidade de cada um, da persistência, da capacidade de não mentir para si próprio. Desenvolver a capacidade de pensar, através do estudo de psicologia, esoterismo, literatura de análise psicológica, tudo pode ser utilizado para o processo de autoconhecimento. O processo é lento e não termina nunca. Isto não é dito para causar desânimo e sim para que se prepare o espírito para uma vida de trabalho e alegria. Quem já sabe tudo, ou acha que sabe, sentirá apenas tédio. A vida humana é profundamente complexa, o universo em que vivemos nos coloca perguntas imensas. É preciso o entusiasmo da criança diante das novidades do mundo, sua alegria de crescer associado com a faculdade de introspecção que um adulto pode desenvolver. Mesmo quando se tem a ajuda de um psicoterapeuta, não há garantia de sucesso. O terapeuta não é onipotente. O trabalho pesado cabe ao cliente, e se não for feito, o terapeuta pouco pode ajudar. Também os psicoterapeutas estão em níveis de desenvolvimento diferentes, com maior ou menor capacidade de discernir e ajudar. A maior ajuda que podemos ter é o amor à verdade, transparência, humildade, sinceridade diante de si próprio. Sem esta inocência, esta pureza, não iremos muito longe, com ou sem ajuda externa.
Carlos, sei por seus artigos que você conhece a obra do Carlos Castaneda, e deve se lembrar daquele momento que Don Juan diz que todo “guerreiro” precisa dar o passo inicial da “recapitulação”, que seria o momento em que ele assiste a um videoteipe de sua vida, parando e analisando cada cena. Don Juan afirma que as energias que ficaram pelo caminho na forma de traumas, frustrações, ressentimentos podem ser recuperadas positivamente. Como todos hoje precisamos ser “guerreiros” para enfrentar esse “mundo hostil”, como diz Don Juan, você não acha que é importante que cada um faça sua “recapitulação”? É possível fazê-lo sem a ajuda de um terapeuta?
Grata pela atenção.