Carlos Bittencourt Almeida, em resposta ao leitor ‘Pensativo’, do artigo Homens Perigosos
Se buscamos um equivalente feminino ao perfil que descrevo no artigo “Homens Perigosos”, ele seria bem descrito nas palavras Mulheres Insaciáveis. Os homens tendem mais frequentemente a ameaças de violência, atos violentos. As mulheres, em geral, são mais sutis, mais indiretas. Visam ao mesmo fim, mas pressionam de modo diferente. Ambos os estilos querem resolver a dor interna que a grande maioria dos seres humanos carrega, a carência, o vazio, a percepção de que nos falta algo essencial para conseguirmos relaxar, nos sentirmos em paz, felizes. O impulso sexual afetivo que move as relações homem mulher é exatamente este anseio de completude, de felicidade, de prazer e alegria que iria nos saciar, acalmar.
Infelizmente é muito raro encontrar um relacionamento homem mulher de longa duração que tenha levado a esta harmonia, esta saciedade, paz e alegria. Para este tipo de relação humana ser bem sucedido ambos os parceiros precisam ter desenvolvido uma grande capacidade de autonomia, de independência interior. A capacidade de ser feliz sozinho, de encantar-se e alegrar-se com a vida, de entusiasmar-se de modo persistente e duradouro por atividades autônomas é o grande segredo da felicidade e consequentemente um pré-requisito para um relacionamento saudável entre homens e mulheres.
No impulso cego da carência responsabilizamos o outro pela nossa felicidade, vivemos na ilusão de que se o outro se dedicar a nós completamente, atender a todos os nossos desejos, alcançaremos a paz, seremos felizes. Deste impulso, desta ilusão, nasce o desejo de possuir o outro, nasce o ciúme insaciável, o desejo de sermos para ele a única alegria, a única felicidade. Tem pessoas que têm ciúme de qualquer atividade autônoma que o outro deseje e goste, como ler, pintar, dançar, esportes, cuidar de animais ou plantas, etc. Ou seja, além do ciúme da alegria que o outro possa encontrar em outras relações humanas com amigos e amigas, pais, irmãos, filhos, existe o ciúme de atividades solitárias.
A atitude que você descreve de tua ex-esposa, visa o mesmo fim. Há mulheres que querem que o homem seja o resolve-tudo, soluciona tudo, tenha receitas mágicas para retirar todos os sofrimentos e frustrações que a vida traz. É como se ela falasse: ‘Se você me amar de verdade vai resolver tudo para mim, vai me fazer feliz resolvendo todos os meus problemas do cotidiano, tendo uma ótima solução para todos eles.’ Missão impossível, naturalmente! A arte de bem viver é também solucionar problemas, mas frequentemente é saber lidar, com serenidade e sem perder a alegria de viver, com problemas que não tem solução, que estão fora de nossa capacidade de resolução. Doenças próprias ou alheias, a morte de seres queridos, injustiças da estrutura da sociedade, sofrimentos a nós causados por pessoas muito egoístas ou mal intencionadas, sofrimentos que vêm do fato de que pessoas de quem gostamos estão sofrendo ou tendo comportamentos doentios ou incorretos, tudo isto, em grande parte, está fora da capacidade de qualquer um de nós resolver de modo completo e definitivo.
A característica central de mulher que estabelece uma relação de longa duração com aqueles que chamei de Homens Perigosos é a submissão. Ela tem a ilusão de que se fizer tudo o que ele quer, ele vai reconhecer, vai amá-la de verdade e ela vai se sentir feliz, não vai ser abandonada nem se sentir só. Fracasso garantido! Estes homens são também insaciáveis, tudo que se der a eles é sempre pouco, querem mais, facilmente estão de novo mal humorados, exigindo novos sacrifícios e fazendo exigências absurdas.
O perfil feminino oposto é o da mulher exigente, que pode ser externamente brava, ou às vezes delicada e aparentemente mansa, mas sempre insatisfeita, sempre queixosa, sempre necessita novas provas de amor. ‘Se você me amar de verdade fará isto por mim.’ E tudo que se fizer é pouco, sempre falta algo, não ficou bom, podia ter sido melhor.
O grande ponto cego das Mulheres Insaciáveis e dos Homens Perigosos, dos homens e mulheres submissos que se vinculam a estes dois tipos, é a ilusão de que o outro me fará feliz, se ele me der tudo ou se eu der tudo a ele, a felicidade, a paz, vai viver em mim. A dura realidade, ao mesmo tempo a porta para a liberdade, é percebermos que 70% de nossa felicidade terá que vir de nós mesmos. Temos de consegui-la a sós, autonomamente. Temos que ser capazes de, a maior parte do tempo, encontrar alegria de viver por recursos próprios. Aí então a alegria de viver um grande amor pode ser possível. Se não faço exigências absurdas ao outro, posso me relacionar com ele saudavelmente. Posso ser grato ao que ele me dá, posso admirá-lo na sua autonomia e liberdade, pois sei o quanto e necessária para mim a minha autonomia e liberdade.
Termino com uma citação de Kalil Gibran, do livro ‘O Profeta’ no capítulo sobre o Matrimônio: ‘ Cantai e dançai juntos e sede alegres, mas deixai cada um de vós estar sozinho.’ ‘Vivei juntos, mas não vos aconchegueis demasiadamente, pois as colunas do templo erguem-se separadamente, e o carvalho e o cipreste não crescem à sombra um do outro.’
Comentários
Muito bom !
Responde à vários anseios e dúvidas de muitas pessoas,quanto ao comportamento e atitudes das mulheres em relação aos homens,com os quais se relacionam. Na verdade é uma grande competição pelo poder dominar !
Parabéns,Dr.Carlos Bittencourt Almeida.