Não conseguia entender porque me internaram. Eu estava extático, totalmente conectado com tudo e com todos, voltei distribuindo aquela energia ancestral linda de que tive a glória de fazer parte em São Thomé das Letras. Eu havia conhecido um mundo fantástico, fui tocado profundamente por aquela experiência com a madre ayahuasca, por que não me entendiam? Todos os profetas, santos, gurus, místicos sofrem esse tipo de preconceito. É muito mais fácil internarem e sedarem aquele que sai da mediocridade do que encarar de frente a Verdade que brota através dos discursos dos ditos loucos.
Pois mais uma vez eu estava encarcerado, isolado do mundo e da sociedade a fim de me curar de algo que mais seria um dom que uma doença. Pois xamãs de várias culturas não tiveram em suas iniciações períodos de contato com outras dimensões da realidade, estados não-ordinários de consciência?, e ao longo do processo não voltaram a pôr os pés na realidade? Não poderia ser o meu caso, uma alma de um xamã que despertava num corpo de um branco, buscando expressão e curas espirituais através de um processo psicótico? Era demais esperar que minha família pensasse assim. Eles consideravam que eu tinha uma doença incurável, e que se não fosse terapeutizado não manteria o equilíbrio.
Mas as internações foram momentos muito importantes no meu caminhar. Dentre os anos de 2012 a 2017 foram mais de treze, se não me engano. Mas vamos com calma, entender o caminho que levou a cada uma delas, entender o que se passava na minha cabeça e porque o mundo não podia me aceitar naquele estado que eu considerava o máximo de inspiração e produtividade.
Nessa internação pós-natal, eu me lembro de alguns momentos fugidios. Jogávamos sinuca, eu interagia com todos. Tínhamos terapia ocupacional, e lá fazíamos alguns artesanatos. Aprendi muito sobre o desapego nessa internação. Era muito comum entre nós, os loucos, depressivos, entre outros, trocarmos nossas roupas e tudo o mais que tínhamos ali dentro. Cigarro era uma moeda de troca de altíssimo valor. Fumava demais, precisava de algo para aguentar aquela vida enclausurado.
Mas conheci outras pessoas geniais que sofriam do mesmo estigma que eu. Inteligentíssimos, brilhantes, mas considerados doentes …. loucos! E quem seriam os sãos, aqueles adaptados a uma sociedade doente, e que suga toda a vida e criatividade em nome do dinheiro? NÃÃÃÃOOO!, eu preferia ser louco, inadaptado, trilhar um caminho diferente. Carrego este estigma há tempos, desde que resolvi fazer uma faculdade de História em uma família de médicos e engenheiros. Saí dos padrões e cada vez mais fui me afastando do que seria um modelo ideal de conduta pela minha família.
Nessa internação conheci o Thiago, erámos dois que escreviam poesias para externalizar nossas dores e inspirações. Ficamos amigos de cara, ele também gostava da sinuca. Falei que seriamos como Jack Kerouac e Allen Ginsberg, os dois escritores do movimento beat que influenciaram toda uma geração de jovens americanos. Os dois não tinham pudores nem frescuras. Eram do lema “sexo, drogas e rock´n roll”. Assim também nós seguiríamos esse caminho. As amizades feitas em clínicas são muito importantes, uma pena que não duram muito, mas essa com o Thiago, resistiu anos a fio. Não éramos daquele tipo de amigo que se fala sempre, mas sabíamos que podíamos contar um com o outro. Ele me acompanhou por muitos anos, com seu jeito Kerouac de ser, enquanto eu saía do mundo das drogas e ficava só no sexo e rock´n roll.
É muito difícil para mim relatar de forma organizada e coerente essa internação e a sequência que veio depois. Muito difícil pelos medicamentos cavalares que me foram aplicados, pelo excesso de estimulação que sobrecarrega os neurônios, pelos traumas que se guardam no inconsciente, fruto de tantos momentos de isolamento, de solidão e de loucura.
Mas a loucura cura. Sim há aqueles que realmente são loucos, que não conseguem se inserir nessa sociedade e se mantém à margem, mesmo esses, devo dizer, não merecem ser encarcerados. Loucura tem cura, a liberdade é a cura da loucura, eles passarão, eu passarinho! Flashes … sinuca … esquizofrênicos … cigarros … solidão … artesanatos … medo … inconsciente cósmico se manifestando numa aventura de se redescobrir o que se chama Vida!
O caos havia se instalado em minha vida. Desde que resolvi sair do marasmo e ir encontrar a Daniela, um verdadeiro turbilhão se instalou em mim. E quando conheci madre ayahuasca meu maior medo veio à tona: enlouquecer! E não é que eu vivia agora esse medo na vida real, sendo considerado louco?
Houve até um papo de me interditar e me aposentar por invalidez. Imagina só, isso seria genial, rsssss, usar o sistema contra ele próprio! … obter uma renda sem precisar fazer nada e ficar livre para voar os voos mais altos dos meus sonhos. Venci a tentação de sacanear o sistema, pois eu era mais sincero e verdadeiro que eles! Não admitia o rótulo de louco, mesmo louco sendo, esse era o conflito essencial que me fazia pirar … quando estava ali, dentro das clínicas eu soltava toda minha loucura …, mas às vezes vinha o outro medo que me acompanha nessa encarnação: a solidão e a melancolia.
Foram dias mágicos, de muito aprendizado aqueles que passei internado. Passei o ano novo ali. Passei quase todos os anos novos em clínicas de 2012 a 2015 … mas eram apenas mais uma data para mim … entendam, não sou muito apegado a convenções … apenas uma data permanecia latente na minha mente… o famigerado 21/12/2012, a data cabalística do Calendário Maia … não era o fim do mundo, era o início da Nova Era Encantada! Mas porque eu não podia viver minhas loucuras livre, leve e solto, se a Nova Era tinha começado? O que ainda me impedia de viver a plenitude, a abundância e a prosperidade que, diziam os profetas, estariam por vir … não estaria despertando o Cristo Cósmico, mediante o chamado de um xamã, eu, que mais parecia um Buda … rsss …. o eterno dilema das tramas e historietas mentais … Don Juan … sim, aquele conquistador de mulheres … adorava aquele filme, como o louco cura o terapeuta … e tinha outro Dom Juan, o Matus, feiticeiro, que ensinou Castaneda o maior de todos os poderes xamânicos … a arte de sonhar … era como se Dani fosse Don Juan e eu Castaneda … ela me ensinava a arte da feitiçaria ou xamanismo cósmico para ser mais fashion e eu me comprometia a escrever sobre tudo isso como legado para aqueles buscadores que queiram se embrenhar nesse caminho de auto-conhecimento.
Falo muito, mas digo pouco … me perco nos fatos, os meandros das memórias se esvaem, e na realidade pouco importa a cronologia dos fatos, o que importa é a dialética multipolar de meus devaneios … entendam, devanear é sonhar sem controle … o controle é a ilusão do Ego que se acha Deus, mas ele é Deus!? … oh Jesus, me perdi de mim, como faço para me encontrar? … como catar os pedaços dos Bills no caminho dessas internações, como resgatar a pureza do olhar do pequeno Bill, como voltar a sentir no peito aquela paixão que Daniela despertou? … e Natália também, bem como todas as outras musas do meu panteão … como deixar de honrar todas essas belas mulheres que me ensinaram como ninguém a arte da feitiçaria? … a arte de amar … nessa eu sou expert … amar e se fuder … e ficar sozinho … se auto-amar … e depois … rsssss …. Pinel ou Santa Maria!!
Voltemos à clínica. Numa dessas internações, na Pinel conheci uma garota muito bonita e interessante … Luciana! … mero acaso?, ironia do destino? não sei … quem saberá? … dei a ela minha camisa do Pink Floyd, conversamos sobre ETs, … doideiras! … ela havia tentado se matar … eu queria salvá-la … o beijo bjjjjj … sempre anseio por ele … Será???
Comentários
Seu relato é profundo, denota transparência, compromisso em ser feliz consigo mesmo, aceitação de si próprio, e me exprime um tipo de comportamento de quem já possui um objetivo definido de vida. Parabéns pelo seu trabalho.
Agradeço de coração as suas palavras Max. Mas confesso que ainda me vejo como o bebado-equilibrista. Objetivos sim, tenho, mas ainda tenho muito a aprender nesse caminhar. Um abraço