Senhores do Café Nice

Publicado por Antonio Ângelo 23 de agosto de 2016

Senhores do Café Nice

Os senhores do Café Nice,
lá os vejo desde os anos sessenta.
Homens distintos, de postura ereta,
alguns de terno, outros em camisas e calças sociais,
em intermináveis e amistosos convescotes.

De que falarão esses senhores?
Certamente da política, das leis e suas transgressões,
das manchetes dos jornais, do futebol,
de mulheres (não seria assunto ausente),
dos benefícios da catuaba ontem, das maravilhas do Viagra hoje,
de meninas que passam e os fazem virar as iluminadas frontes
(ah! antigamente contidas, comportadas, vestidos longos,
hoje em alegre algaravia, risos, corpos à mostra!).

Na maioria, por certo, senhores aposentados de classe média,
dos judiciários e escalões superiores da burocracia estatal,
empresários, bancários, endinheirados diversos.
Sem dúvida, homens de vida resolvida, cultos,
capazes como ninguém de deslindar a maquinaria
da complexa sociedade contemporânea,
dos jogos de enriquecimento, ilicitudes e moralidades escusas,
através de opiniões, espirituosos ditos e humor ferino.

Mudam em volta ambiente e detalhes,
mudam as mulheres e seus vestuários,
muda o trânsito e no asfalto são outros os veículos
em nada lembrando antigos modelos.
Mudam – e como! – os milhares de transeuntes
que numa procissão infindável por ali perpassam.

Iguais permanecem no entanto o cafezinho,
seu cheiro estimulante que se espalha na calçada,
os motivos das conversas, as gargalhadas ante piadas fesceninas,
os cabelos brancos, dignas calvícies, roupas bem cortadas.
Convivem ali em alegres tertúlias e nostálgicas lembranças
desde os tempos em que o obelisco da praça era uma novidade
e fileiras de árvores sombreavam a avenida.

Em prosa sem fim, geração após geração, por décadas,
desvelam a alma de Minas em seus ocultos desvãos
através de histórias entremeadas de sedições, disputas e vícios,
na contação sem fim de casos que remontam a um tempo
que se perde na perspectiva de um vilarejo
no antanho plantado nos arredores da Curral del Rey,
que lá resiste sobranceira além da Afonso Pena.

Comentários
  • Wesley 3005 dias atrás

    Mais uma antológica do Angelus. Desta vez uma crônica poética, estilo em que vai se especializando. Ave, Mestre!

  • Carlos Luís 3014 dias atrás

    Temos aí mais um flash urbano que o poeta tão bem tem sabido registrar e se não bastasse, com imagem pertinente e tão próxi-
    ma de quem goza do seu convívio.

  • Dulcimeia de Oliveira 3015 dias atrás

    Que beleza!

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