Posso entrever retalhos de cenários mal iluminados
Flashs da cidade onde vivo
Lá – noite de sexta-feira
Mulheres de Athenas carregam nos olhos
A melancolia de romances irrealizados
Na esquina de Gonçalves Dias
Olhando abaixo, à direita
O DCE onde Gonzaguinha repete seu Grito de Alerta
Sobressaindo o palácio do poder
Os coqueiros eretos, perfilados
Passeios desertos entre canteiros
Um espaço em contrastes de luz e sombras
Como numa gravura de Goeldi
Passamos em frente ao Cine Pathé
Greta Garbo hipnotizando a plateia
Enquanto se adivinha no avesso das vestes
O irrefreável no império dos sentidos
Gritos e Sussurros de Bergman
As trampolinagens de Chaplin
Casablanca, Ilsa pedindo: play it again, Sam
Belle de Jour – não se sabe se em sonho ou realidade
Fugindo da rotina burguesa em saga rodrigueana
O Restaurante Ponteio e, logo atrás
Adivinha-se a boate: beber e dançar
Nos entreveros que prenunciam a entrega
Depois, percepção de que não se trafega mais no asfalto
O tamborilar dos pneus na dura carcaça de terra
O inimaginável a vir, o indescritível terror
Rompemos entre rochedos, montanhas de minério
Que no subsolo, sem complacência
Esmaga as raízes de arbustos e gramíneas
Que teimam em resistir às tenazes impiedosas
Acorre-me, retido no estreito compartimento
O que Ingmar revelou nas lembranças do Professor Isak Borg:
Não há nada além do frio, da morte e da solidão
Comentários
De fato, mestre, não há. Aliás, há a longa estrada do nosso sofrimento, que, em perspectiva, parecerá ao trajeto belorizontino, rubinenese, bomdespachense, e por aí vai, do fim ao começo.